Trabalho infantil rende pouco e, por isso, não é estratégia de sobrevivência; cultura só será mudada por meio da educação
Não surpreende que avaliações mostrem que transferência de renda não reduz o trabalho infantil: o problema não está na pobreza, está na educação
MARCELO MEDEIROS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Brasil ainda tem 6% de suas crianças de 10 a 14 anos trabalhando, segundo os dados do Censo 2010. Isso corresponde a um milhão de crianças. É quase como se todas as crianças da cidade de São Paulo estivessem trabalhando.
Mais grave ainda é a persistência desse problema, pois a proporção de crianças trabalhando no país não teve redução expressiva desde meados da década de 90.
O crescimento da economia brasileira, a queda da desigualdade social e a diminuição da pobreza não foram capazes de mudar expressivamente esse cenário.
Hoje sabe-se muito mais sobre trabalho infantil do que no passado. Pais que trabalharam quando crianças tendem a fazer com que seus filhos também trabalhem.
A maior parte desse trabalho é na agricultura, não remunerado e em tempo parcial. Meninos trabalham com mais frequência que meninas, e as atividades das crianças geralmente consistem em ajudar seus pais.
É mais comum nas áreas menos desenvolvidas do país e reflete muito de nossas desigualdades regionais.
É mais comum nas áreas menos desenvolvidas do país e reflete muito de nossas desigualdades regionais.
Mas o trabalho infantil não se resume a isso, há um repertório longo de exploração e trabalho degradante até mesmo nas grandes metrópoles do Brasil.
RISCOS
Estudos mostram que não há nada de bom no trabalho infantil. Trabalhar traz riscos à saúde das crianças, piora seu desempenho escolar e, em alguns casos, chega a retirá-las das escolas.
Não ajuda no rendimento das famílias porque rende pouco e nem sequer prepara as crianças para um futuro profissional, pois adultos que trabalharam quando crianças terminam em profissões piores do que aqueles que nunca trabalharam.
Crianças, para se desenvolverem bem, devem brincar, estudar e não trabalhar.
O trabalho infantil é mais comum entre as famílias pobres mas, ao contrário do que se costuma pensar, não é uma estratégia de sobrevivência.
É reflexo de uma cultura que valoriza pouco a infância e a educação, um sintoma de problemas de longo prazo nos sistemas educacionais.
Também indica uma falha da educação no passado, que não foi capaz de preparar uma geração de pais que dessem prioridade à educação de seus filhos, e uma falha no presente, de um sistema que não consegue prover escolas em tempo integral capazes de suplementar aquilo que as famílias pouco educadas de hoje não são capazes de fazer.
Não é de surpreender, portanto, que avaliações recentes mostrem que programas de transferência de renda não reduzem o trabalho infantil: o problema maior não está na pobreza, está na educação.
MARCELO MEDEIROS é professor de sociologia da Universidade de Brasília, especialista em desigualdade social, e pesquisador do Ipea.
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