segunda-feira, 5 de março de 2012

CEA: A verdadeira história - Por João Capiberibe

Desde janeiro de 2011, quando tomou posse o novo governo do Amapá, que se trava uma luta para colocar nos trilhos a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), dilapidada, entre 2002 e 2010, por má gestão e malversação.

Nos anos 80/90 tal descalabro já havia ocorrido Por isso, antes de tudo é preciso reavivar a memória e lembrar que, quando assumi o governo em 1995, a CEA era uma empresa desorganizada, inadimplente, desacreditada, sucateada e à beira da falência, com a distribuição de energia 24 horas concentrada apenas nas áreas urbanas dos municípios de Macapá, Santana, Mazagão, Porto Grande, Serra do Navio e Ferreira Gomes.

O caos era tão grande que na capital, Macapá, bairros como Zerão, Novo Horizonte, Brasil Novo, não contavam com rede de distribuição.

O entorno da capital e seus distritos, como Bailique, Tessalônica, Ambé, Ariri, Campina Grande, Maruanum, Igarapé do Lago dispunham, quando muito, de um precário gerador que fornecia entre três a seis horas de energia elétrica por dia.

Laranjal do Jarí, terceira cidade mais importante do Estado, e Oiapoque, cidade que faz fronteira com a Guiana Francesa, quando não escasseava o óleo diesel, dispunham de doze horas de luz por dia. Nas residências não havia medidores de consumo, ou seja, a companhia não sabia o que vendia e a manutenção da rede era inexistente.

Em 1995, o governo do Estado iniciou um intenso programa de recuperação da CEA. Com isto, sete anos depois, dobrou-se a rede de distribuição urbana e rural, estendendo-a de 1.465 km para 2.998 km. Tamanho era o déficit, que esta ampliação se configurou na maior instalação da história do Amapá.

Na contramão desse esforço, o Governo Federal apertou o cerco fechando todas as fontes de financiamento na tentativa de estrangular e privatizar a CEA. Reagimos retendo alguns créditos devidos a Eletronorte correspondente a alguns meses dos anos de 1996, 1997 e 1998. Esse dinheiro foi integralmente aplicado na capitalização da empresa, o que lhe permitiu recuperar seu equilíbrio financeiro. A partir de 1999, a CEA passou a honrar rigorosamente seus compromissos com a Eletronorte. Tentou negociar a dívida remanescente de 1993 a 2002, cujo valor principal, conforme relatório da Eletronorte de 30.11.2011, sem considerar juros e multa, atingiu R$ 60 milhões, sendo que desse montante 29 milhões corresponde a 2002, quando eu já havia deixado o governo.

Mas, por questão política não foi possível concluir a negociação da dívida antes do fim do meu mandato, porque a Eletronorte, seguindo orientação do Governo Federal, em favor da privatização da Companhia, impôs juros escorchantes e multas abusivas, emperrando a negociação.

Apesar de tudo isso, a CEA deu um salto histórico. Segundo declaração da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, em reunião liderada pelo presidente Lula em maio de 2003, em Rio Branco, no Acre, o Amapá era o estado com o maior índice de pessoas atendidas com energia elétrica vinte e quatro horas na Região Norte.

Apesar do crescimento da rede, com a mudança de gestão de governo em abril de 2002 todo o esforço de recuperação financeira da CEA foi para o ralo.

Em 2006, a dívida, cujo principal em 2002 era de 60 milhões havia pulado para R$ 170 milhões e a qualidade dos serviços caído exponencialmente. Na Capital e no interior, reviviam-se os apagões constantes, como acontecera no início dos anos 90.

Com a volta do caos, a Aneel - Agência Nacional de Energia Elétrica - iniciou o monitoramento da CEA, exigindo publicamente providências. Como elas não foram tomadas a agência anunciou a caducidade da concessão em 2006. Esta foi à primeira vez na história do País que uma empresa concessionária de energia elétrica teve a sua concessão cassada por incompetência e desmandos administrativos.

Em 2009, o valor principal da dívida da CEA com a Eletronorte ultrapassou a cifra de R$ 430 milhões. Neste momento, o Governo Federal - através da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás), do Ministério de Minas e Energia (MME) e das Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A (Eletronorte) – reuniu-se ao Governo do Amapá para elaborar um plano de federalização da CEA.

Infelizmente, nada se concretizou. A CEA afundou ainda mais, aumentando a sua já milionária dívida com a Eletronorte. Os números, diz o dito popular, não mentem jamais, assim, o valor principal da dívida, quer dizer sem os juros e as multas abusivas, que era de R$ 60 milhões no final de 2002 chegou a novembro de 2011 ao astronômico valor de R$ 607 milhões.

Hoje, o governo do Amapá voltou a estabelecer um plano de metas para colocar a CEA no trilho certo. Mesmo estrangulada pela tarifa ao consumidor congelada há oito anos, a CEA vem, a duras penas, retomando os pagamentos às geradoras de energia: Eletronorte, Soenergy e Agreeko Energia, e fez um programa de enxugamento dos custos fixos, cujo resultado é uma economia de quase R$ 3 milhões mensais, além de um forte crescimento na receita, que de R$ 164 milhões em 2010 saltou para R$ 196 milhões em 2011. Apesar deste esforço claro do governo do Estado em sanar os enormes problemas acumulados pela companhia, o Ministério de Minas e Energia recuou da proposta de federalização e acenou com a caducidade da empresa ou um empréstimo de R$ 1.6 bilhões para pagar a dívida que, no limite, seria paga pelo contribuinte brasileiro.

Uma atitude, no mínimo, estranha, pois o MME federalizou outras empresas estaduais de distribuição de energia elétrica como a Manaus Energia (Amazonas), a Boa Vista Energia (Roraima), a Ceron (Rondônia), a Eletroacre (Acre), a Ceal (Alagoas) e a Cepisa (Piauí).

Vale lembrar, que o argumento oficial usado para a federalização destas empresas foi o de que a demanda de energia no Norte e no Nordeste tem sido superior à média nacional. Por isso, saneadas e recebendo novos investimentos, elas podem apresentar bons resultados no longo prazo. Lembro, ainda, que a federalização no setor energético é regida pela Lei 9.619/98, em pleno vigor, a qual autoriza a Eletrobrás a adquirir ações destas empresas, custeadas pela RGR (Reserva Global de Reversão), encargo criado em 1957 para cobrir indenizações a empresas estatais ou privadas em caso de reversões à União de concessões de energia elétrica. Tais processos chegaram a consumir cerca de 30 bilhões de reais da referida reserva, que acaba de ser prorrogada por mais 25 anos, através da MP nº 517, de 30/12/2010.

Por que então não usar o mesmo argumento para federalizar a CEA?

É injusto que ao Amapá seja dado um tratamento diferente daquele dado a outros Estados. É preciso manter o pacto federativo e o tratamento isonômico entre os entes.

É por isso, que o Governo do Amapá e a bancada federal não aceitaram as alternativas propostas pelo MME e insistem na federalização. Entendemos que não seria justo penalizar o governo do Estado e o povo do Amapá pelos desmandos de dirigentes irresponsáveis, contraindo um empréstimo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para pagar a dívida com a Eletronorte. O valor do empréstimo é de mais da metade do orçamento anual do Amapá, o que comprometeria a capacidade de endividamento e de investimento do Estado.

A resistência do governo estadual e da bancada deu certo e o MME recuou. Em reunião, antes do Carnaval, o MME aceitou a reabertura da negociação para a federalização da CEA que se arrasta desde 2009.

Ao que parece finalmente o pacto federativo e o tratamento isonômico vão prevalecer no caso da Companhia de Eletricidade do Amapá.
* Ex-prefeito de Macapá, ex-governador, senador pelo Estado do Amapá.

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