domingo, 11 de novembro de 2012

PSOL enfrenta 'choque de realidade' na capital do Amapá

Felipe Frazão / O Estado de S.Paulo
É uma tarefa um tanto árdua encontrar a melhor frase já dita pelos integrantes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) que resuma o que almeja a sigla. Plínio de Arruda Sampaio, candidato derrotado na eleição presidencial de 2010, é um dos favoritos. “Nossa candidatura vai ser a mosca na sopa da burguesia”, disse ele. “PT ladrão/rouba do povo pra botar no cuecão”, cantou o então deputado federal João Batista de Araújo, o Babá. O sociólogo Chico de Oliveira, por sua vez, afirmou que o papel do partido era mais criticar do que governar. Menção honrosa também para Chico Alencar, deputado federal. “Temos que questionar todo sistema produtivista, seja do socialismo real, seja do consumismo exacerbado, como sentido de vida, do produtivismo capitalista, que tem nos Estados Unidos seu maior símbolo.”
 
Difícil mesmo é prever como essas frases podem virar realidade em Macapá, cidade com 398 mil moradores, o quinto pior IDH entre as capitais brasileiras e com um orçamento de R$ 500 milhões que mal dá conta de resolver um sem-número de problemas estruturais. Para se ter ideia, apenas quatro de cada 100 domicílios têm acesso à rede de esgoto. E apenas um pronto-socorro funciona 24 horas.

É justamente nesse cenário que, oito anos após sua fundação, o PSOL tem a difícil tarefa de governar a sua primeira capital e tentar aliar a retórica radical dos primeiros anos com alianças antes injustificáveis; promessas difíceis de cumprir e obras necessárias; bravatas e responsabilidades; expectativas e possíveis desencantos. O PSOL, fundado por dissidentes do PT, é um partido de dois mundos. O primeiro é o do radicalismo, uma resposta às recentes denúncias de corrupção no PT. O outro é o da política real, que no País necessita de acordos até outro dia impensáveis para os socialistas.
O embate entre esses dois mundos já criou a primeira lavação de roupa suja no PSOL. O estopim do debate que hoje divide o partido foi a costura de apoios e alianças no 2.º turno de Macapá. À frente de esquerda Unidade Popular (PSOL, PV, PPS, PCB, PTC, PRTB e PMN) juntaram-se setores do PT, do PC do B, do PSB e líderes de partidos do espectro ideológico oposto, como o DEM, o PSDB e o PTB.
Os apoios deram mais votos à chapa do prefeito eleito Clécio Luis (PSOL), que enfrentou o grupo político que estava no poder há pelo menos dez anos com apoio do senador José Sarney (PMDB-AP), do ex-senador Gilvam Borges (PMDB-AP) e dos ex-governadores Waldez Góes (PDT) e Pedro Paulo Dias (PP) – cujas últimas administrações foram marcadas por denúncias e escândalos de corrupção. Eles davam sustentação ao prefeito Roberto Góes. (PDT), que tentava reeleição.
Em reunião da Executiva Nacional, quinta-feira, cogitou-se levar Clécio e o senador Randolfe Rodrigues, articulador político dos apoios e da campanha, ao Conselho de Ética. Eles se livraram, mas só por um voto. “Não podemos transformar a vitória em derrota”, disse o líder da bancada na Câmara, deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
“Sem autofagia. Será nossa saída da adolescência, o primeiro teste de maturidade do PSOL.” Pelas ruas de Macapá, o novo governo do PSOL também gera expectativa e dúvidas nos moradores. Apesar de ter disputado o governo do Estado em 2006, Clécio ainda não é tão conhecido na cidade. Aos 40 anos, ex-agente da Polícia Civil, formado em Geografia, completa em dezembro apenas o segundo mandato como vereador. Clécio conseguiu seu melhor desempenho na zona norte, uma franja de expansão em direção ao interior.
Com perfil geográfico plano, a cidade começa agora a erguer seus primeiros edifícios de 20 andares. Macapá tem cerca de 400 mil habitantes, sendo 17 mil na área rural. São povoados distantes, com população de traços indígenas, mestiços e caboclos, ribeirinhos que vivem à beira do Rio Amazonas, de seus afluentes e do poder público. A região deu a vitória a Clécio por 2 mil votos a mais. Na zona norte, obteve 41 mil. Seu adversário Roberto, 37 mil. Na zona sul, Clécio perdeu: recebeu 60 mil ante 61 mil do pedetista.
Desafios Natural de Breves, no Pará, o lavrador Benedito Marques Santana, de 60 anos e 12 filhos, mora com a mulher em Santo Antonio da Pedreira, um povoado cortado pela Rodovia AP 070, a cerca de 50 quilômetros do centro de Macapá. Ali, Clécio obteve uma das maiores vantagens sobre Roberto: 98 votos, inclusive o de Benedito. Ele não conhece o PSOL, mas acreditou nas palavras de Clécio, que foi pessoalmente ao vilarejo e prometeu asfaltar um ramal de terra vermelha que serve como acesso dos moradores e agricultores de mandioca e milho assentados à capela de Santo Antônio, à beira do Rio Pedreira.
Também atravessada pela AP 070, a comunidade quilombola do Curiaú deu a vitória a Clécio com 115 votos de vantagem. Um dos apoiadores foi o inspetor de escola Nivaldo Ramos Lopes, de 43 anos, que colocou até bandeira vermelha com o número 50 na cerca da casa. “Foi um direito de resposta que o povo deu. Está cansado desse povo do governo, o amarelo (cor do PSB) e o azul (cor do PDT)”, diz.
Moradoras do bairro do Muca, na zona sul, as estudantes Marcia Miranda, de 17 anos, e Jessica Negrão, de 19, votaram em Roberto Góes por influência da família. Elas são de uma das seções que deram as piores derrotas a Clécio: 78 votos a menos que Roberto. Marcia, que votou pela primeira vez, explica: “Tem um candidato do partido dele que quer liberar a maconha. Você acha isso certo? E o Clécio é do partido. Não dá. Já tem tanta mãe sofrendo”.
Um grave problema da cidade é a precariedade do sistema de saúde. A prefeitura não conseguiu concluir um hospital que tem o “esqueleto” pronto na zona norte.
Já o símbolo do descaso ambiental e das moradias inadequadas em Macapá são as chamadas “pontes” sobre áreas de ressaca – espécie de conjunto de palafitas colado um ao outro, erguido sobre baixadas alagáveis que se formam pela confluência de canais. Atualmente, há 63 mil pessoas vivendo sobre ressacas. Não há qualquer tratamento sanitário: vive-se sobre esgoto e lixo. Para chegar e sair de casa, os moradores construíram passarelas esburacadas, com tiras de madeira. Daqui a quatro anos, todos esses desafios e as soluções apontadas por Clécio e pelo PSOL podem ajudar a definir melhor a identidade de todo o partido.

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