Apesar de teoricamente ser nominada a “Casa do Povo”, pouquíssimas pessoas sabem realmente o que acontece nos subterrâneos da Assembleia Legislativa do Estado do Amapá. Uma caixa-preta que ninguém ousa abrir sob pena de ser execrado em praça pública, não somente pelos parlamentares, mas, em especial, por quem se locupleta das vantagens proporcionadas pela subserviência e anuência às vaidades e ambições de quem comanda o legislativo estadual.
Recentemente, a revista Época publicou reportagem de uma página sobre a verba indenizatória recebida pelos deputados estaduais amapaenses. Exatos R$ 100 mil por mês. A maior do Brasil segundo assinalou o autor da matéria, jornalista Danilo Thomaz. Perde para Alagoas, R$ 39 mil; e (pasmem!) para o Maranhão, R$ 32 mil. E causa indignação – e repulsa – quando Thomaz inicia o texto destacando que “(...) o Amapá está na lanterna entre os Estados brasileiros no ranking da produção de riqueza – a soma de tudo o que lá se produz equivale a apenas 0,2% do PIB nacional, o pior resultado do país. Essa pobreza contrasta com a generosidade dos políticos do Estado em se concederem regalias”.
Mas para chegar a esse valor estratosférico, um grupo de deputados, reeleito e não reeleito nas eleições de 2010, começou a urdir um plano recheado de sutilidades jurídicas, combinado com habilidade típica de punguistas, em parceria com a antiga Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, presidida na época pelo ex-deputado e candidato derrotado ao governo do Amapá, Jorge Amanajás (PSDB). Trata-se do Ato de Nº 002/2010 promulgado em 18 de outubro de 2010 e assinado, além do próprio Amanajás, pelos deputados e deputadas Dalto Martins (PMDB), Eider Pena (PDT), Jorge Salomão (DEM), Mira Rocha (PTB) e Meire Serrão (PMDB). Com apenas uma canetada, a verba indenizatória dos parlamentares passou de R$ 15 mil mensais para R$ 50 mil. Um aumento de mais de 150% e completamente amoral se comparado às enormes deficiências sociais vividas pela população pobre do Amapá, que alcança 68% de sua totalidade.
A manobra começou a ser desenhada após 3 de outubro de 2010, data que marca o primeiro turno das eleições gerais. Dos parlamentares que assinaram o “ato secreto” apresentado por Jorge Amanajás, dois não conseguiram a reeleição: Jorge Salomão e Meire Serrão. Ainda assim, seguindo a onda coorporativista, Salomão e Meire não titubearam em avalizar o documento cujo artigo segundo descortina um outro mecanismo subjacente ao principal conteúdo: “(...) Este ato entre em vigor na data de sua publicação, com efeitos retroativos a 01 de outubro de 2010”.
Ou seja, o vantajoso benefício autoconcedido retrocedia mais de 15 dias atrás, onerando sobremodo os recursos da Assembleia Legislativa do Amapá, e de tabela atingindo em cheio a esquálida bolsa da população carente do Estado. Porém, alheios aos infortúnios dos menos favorecidos, os deputados estaduais anuiram em silêncio e celebraram a “conquista financeira”. Afinal, eram mais R$ 35 mil acrescidos aos já polpudos dividendos recebidos mensalmente por eles.
Porém, o que parecia de bom tamanho para uns, não contentava a maioria no parlamento estadual. Quando assumiu a presidência da AL do Amapá, o deputado estadual Moisés Souza (PSC) levou consigo para dentro do principal gabinete da “Casa do Povo” uma reivindicação proposta nos escaninhos de sua campanha interna. Pelo teor em evidência, tratava-se de nitroglicerina pura. Titubeante quanto ao contexto da matéria, Souza conversou com diversos interlocutores, dentre eles o ex-deputado Fran Júnior, que fora nomeado por ele (Souza) consultor “para assuntos legislativos”, com ganhos mensais estimados em R$ 23 mil.
Em todos os encontros reservados que mantivera ao longo de seis meses, fora aconselhado a duplicar o valor da verba indenizatória, independente da repercussão que a medida ganharia. Dessa forma, no dia 15 de junho de 2011 o deputado estadual e presidente da AL do Amapá, Moisés Souza, promulgou o segundo “ato secreto” da Mesa Diretora sob Nº 005/2011-MD-AL, com base “(...) nos termos regimentais do artigo 39, parágrafo único da Lei Nº 1.054, de 12 de dezembro de 2006”.
Assinado pelos deputados e deputadas Júnior Favacho (PMDB), Edinho Duarte (PMDB), Keka Cantuária (PDT), Roseli Matos (DEM), Charles Marques (PSDC) e Sandra Ohana (PP) o ato foi publicado com a seguinte redação: “Artigo 1º do Ato da Mesa Nº 002/10-AL, passa a vigorar com a seguinte alteração da redação: Artigo 1..., em até o dobro do limite. Artigo 2º Este Ato entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos retroativos a 01 de junho de 2011”.
Assim, com a veiculação da edição do Diário Oficial de 30 de junho de 2011 os 24 deputados estaduais do Amapá passaram a ganhar mensalmente R$ 100 mil de verba indenizatória. Uma fábula para um Estado que ocupa o topo dos mais pobres do País. Com esse dinheiro, além de outros recursos inclusos nos astronômicos salários, alguns deputados passaram a investir na ampliação de seus patrimônios particulares. Uma deputada estadual, por exemplo, vem construindo verdadeira mansão, pagando altíssimos honorários a uma conhecida paisagista de Macapá para decorar o luxuoso imóvel. A parlamentar foi a primeira a ocupar a tribuna da AL para defender o ato da Mesa Diretora.
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