terça-feira, 3 de abril de 2012

O golpe militar de 1964 - Por João Capiberibe*

 
O golpe militar de 1964 é o desfecho de uma conspiração que começou a ser desenhada uma década antes.

Os eventos trágicos de 31 de março de 1964 que culminaram no dia seguinte, 1º de abril, com o fim do governo democrático do presidente João Goulart, o Jango, não se resumem ao que é contado nos bancos escolares de hoje em dia.

É uma longa história, até hoje mal contada.

A meu ver, é preciso viajar no túnel do tempo até o ano de 1954.

Neste ano, o governo do presidente eleito Getúlio Vargas era atacado violentamente por seus adversários da União Democrática Nacional – UDN – comandados pelo jornalista, udenista e dono do jornal Tribuna da Imprensa, Carlos Lacerda, apoiados por grupo de militares.

O clima de confronto ultrapassava a palavra.

Tanto que um atentado, atribuído a Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente, feriu Carlos Lacerda e matou o major da Aeronáutica, Rubens Florentino Vaz.

A oposição, valendo-se do episódio do atentado, aumentou a carga contra Vargas e pedia a renúncia do presidente.

A auxiliares do Palácio do Catete e ao amigo Samuel Wainer, dono do jornal carioca Última Hora, Vargas confidenciou 24 horas antes do suicídio: “Só morto sairei do Catete”.

Às 8 horas e 30 minutos do dia 24 de agosto de 1954, Getúlio se suicida com um tiro no coração em seus aposentos no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
Com a morte de Vargas, assume o vice-presidente Café Filho (PSP), que governou num período de agitação, manipulado por militares e políticos da UDN.

Sob a presidência de Café Filho, no dia 3 de outubro de 1955 o Brasil foi às urnas escolher em eleições separadas o novo presidente e vice-presidente do país.

Ganhou a eleição o candidato da coligação PSD/PTB, a mesma que havia elegido Getúlio Vargas, o ex-governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek com 3.077.441 votos contra 2.610.462 do candidato dos militares e da UDN, general Juarez Távora.

Vale lembrar que foi muito difícil o lançamento da candidatura de Juscelino, pois se acreditava em um veto militar a ela: JK era acusado de ser apoiado pelos comunistas.

Somente quando o presidente da república Café Filho divulgou a carta dos militares na Voz do Brasil foi que Juscelino se lançou candidato, alegando que a carta dos militares não citava o seu nome.

Foi eleito vice-presidente da República, João Goulart, o Jango, da mesma coligação de Juscelino com 3.591.492 votos, 500 mil votos a mais que os depositados a JK. O candidato da UDN, Milton Campos também recebeu mais votos que o militar Juarez Távora.

Em novembro de 1955, após a eleição ser realizada, Café Filho é afastado do governo após um ataque cardíaco.

Assume o Presidente da Câmara dos Deputados Carlos Luz (UDN).

A UDN tenta impugnar o resultado da eleição, sob a alegação de que Juscelino não obteve vitória por maioria absoluta dos votos. A posse de Juscelino e do vice-presidente eleito João Goulart só foi garantida pelo ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, que, em 11 de novembro de 1955, depôs o então presidente interino da República Carlos Luz.

Suspeitava-se que o udenista Luz não daria posse ao presidente eleito Juscelino.

Assume a presidência o presidente do Senado Federal, Nereu Ramos, do partido de JK, o PSD, que conclui o mandato de Getúlio Vargas que fora eleito para governar de 1951 a 1956. O Brasil permanece em estado de sítio até a posse de JK em 31 de janeiro de 1956.

Em fevereiro de 1956, ocorre a Revolta de Jacareacanga, um esboço de reação militar contra a posse de Juscelino Kubitschek na presidência do país.
Três anos depois nova rebelião contra Juscelino.

Em 2 de dezembro de 1959 eclode a Revolta de Aragarças, uma conspiração com a participação do mesmo grupo de Jacareacanga, que haviam sido anistiados por JK.

O objetivo era iniciar um “movimento revolucionário” para afastar do poder o grupo que o controlava cujos elementos seriam, segundo os líderes da conspiração, corruptos e comprometidos com o comunismo internacional.

Apesar das turbulências, Juscelino cumpre o mandato.

Em 3 de outubro de 1960, Jânio Quadros é eleito pela coligação PTN-PDC-UDN-PR-PL, para o mandato de 1961 a 1965, com 5,6 milhões de votos – a maior votação até então obtida no Brasil – vencendo o marechal Henrique Lott de forma arrasadora, por mais de dois milhões de votos. Porém não conseguiu eleger o candidato a vice-presidente de sua chapa, Milton Campos. Quem se elegeu para vice-presidente foi João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro.

Os eleitos formaram a chapa conhecida como chapa Jan-Jan.

Finalmente a UDN e os militares aliados chegam ao poder. Mas, logo perceberam que Jânio era um insubordinado.

Tanto que Carlos Lacerda, governador do estado da Guanabara, percebendo que Jânio foge ao controle das lideranças da UDN, mais uma vez se coloca no comando de uma campanha contra Jânio, como havia feito com relação a Getúlio Vargas e tentado, sem sucesso, com relação a Juscelino Kubitschek. Não tendo como acusar Jânio de corrupto, tática que usou contra seus dois antecessores, decide impingir-lhe a pecha de golpista.

No dia 21 de agosto de 1961 Jânio Quadros assina uma resolução que anulava as autorizações ilegais outorgadas a favor da multinacional americana Hanna e restituí as jazidas de ferro de Minas Gerais à reserva nacional. Quatro dias depois, os ministros militares pedem a renúncia de Quadros.

Em um discurso no dia 24 de agosto de 1961, transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, Lacerda denuncia uma suposta trama palaciana de Jânio e acusa seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, de tê-lo convidado a participar de um golpe de estado.

Na tarde de 25 de agosto, Jânio Quadros, para espanto de toda a nação, anuncia sua renúncia, que foi prontamente aceita pelo Congresso Nacional.

Jânio Quadros alega a pressão de “forças terríveis” que o obrigam a renunciar, forças que nunca chegou a identificar. Com sua renúncia abre-se uma crise, pois os ministros militares vetam o nome de Goulart.

Com a renúncia, Lacerda e os militares aliados pressionam o Congresso Nacional a não dar posse ao vice-presidente, João Goulart, cuja fama de “esquerdista” agravou-se após Jânio tê-lo enviado em missão comercial e diplomática à China, onde se encontrava no momento da renúncia de Jânio.

A fama de “esquerdista” fora atribuída a Jango quando ele ainda exercia o cargo de ministro do Trabalho no governo democrático de Getúlio Vargas (1951-1954), durante o qual o salário mínimo foi aumentado em 100% e é promovida a reforma agrária – atitudes consideradas “comunistas” pelos setores conservadores na época.

Com o impasse assume provisoriamente Ranieri Mazzili, presidente da Câmara dos Deputados, enquanto acontece a Campanha da Legalidade comandada por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango.

A solução chega com a adoção do regime parlamentarista aceito pelos militares, pois reduzia os poderes presidenciais.

Jânio assume, mas quem governa é o primeiro-ministro do Brasil, Tancredo Neves.

A experiência parlamentarista, contudo, é revogada por um plebiscito em 6 de janeiro de 1963, depois de também terem sido primeiros-ministros Brochado da Rocha e Hermes Lima.

O país volta ao presidencialismo. Com plenos poderes, Jango inicia a continuidade da política de iniciada no governo democrático de Vargas.

A UDN e os militares aliados aceleram os planos do golpe que vinham amadurecendo aos poucos, retomando o discurso anticomunista.

Fiz essa viagem no túnel do tempo para mostrar que o golpe militar de 1964 começa a ocorrer dez anos antes, em 1954.

Getúlio Vargas abafou a 1ª tentativa de golpe militar em 1954 com sua própria vida.

Em 1955 os militares tentaram impedir as eleições. Uma nova tentativa de golpe é impedida pela ação firme e corajosa do marechal Henrique Lott, que garantiu a eleição e a posterior posse de Juscelino Kubitschek.

Em 1961, com a renúncia de Jânio, os militares voltam a carga. Novamente sem sucesso. A solução parlamentarista é um contra golpe em suas intenções.

Em 1963, com a volta do sistema presidencialista, expressa pelo voto popular em plebiscito, os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, em conluio com chefes militares, iniciam o processo de desestabilização do governo Jango, contando com o apoio das elites e da imprensa.

Finalmente em 31 de março, quase dez anos após a 1ª tentativa de golpe militar, os militares chegam ao poder e decidem não reparti-lo com os golpistas civis da UDN.

Nesses 10 anos conspiraram contra os avanços conquistados por Vargas, Juscelino e Jango as forças retrogradas da imprensa, do empresariado e da Igreja Católica em sintonia com militares e agentes do governo dos EUA.

A partir daí, o país amargou 21 anos de tirania.

Contra a democracia, rasgaram a Constituição, instituíram a legislação de exceção com o objetivo de calar os que não aceitavam o arbítrio da ditadura militar.

Assassinatos, tortura, prisões ilegais, exílio e outras formas de opressão são a marca registrada da ditadura.

Por isso, o dia 31 de março é um dia de luto.

* João Capiberibe é senador pelo PSB-AP, foi preso e torturado durante a ditadura militar e passou dez anos no exílio.

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