sábado, 14 de abril de 2012

CPI da Saúde tem motivação política e livra ex-governador

 
A Assembleia Legislativa do Amapá mostrou esta semana que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde tem motivação política e não pode ser levada a sério. Como já se previa, a CPI deixa de lado a corrupção que tomou conta do Estado entre 2003 e 2010, pois se deterá apenas no período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012 (governo de Camilo Capiberibe), deixando de apurar fatos dos dois mandatos do ex-governador Waldez Góes (PDT) e dos oito meses de gestão do ex-governador Pedro Paulo (PP).

A informação de que a CPI da saúde não atingirá a corrupção da gestão Waldez Góes/Pedro Paulo foi confirmada por declaração do deputado Valdeco Vieira (PPS), escalado pelo presidente da Assembleia, deputado Moisés Souza (PSC), para apresentar o requerimento se referindo apenas ao período 2011/2012. Valdeco, deputado de primeiro mandato, saiu da base aliada do governo depois que o governador Camilo exonerou o diretor-presidente do Imap, indicado pelo parlamentar.

A denúncia contra o governo Camilo Capiberibe (PSB), formulada em ofício protocolado na Assembleia Legislativa pelo promotor de Justiça Pedro Rodrigues Gonçalves Leite, ex-secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social da gestão Waldez Góes, deixou escancaradas as estreitas ligações dele com o grupo político dominado pela família Góes – o que, dizem advogados ouvidos pela Folha do Estado, compromete de imediato sua isenção para ajuizar qualquer denúncia contra o governo atual.

Mesmo sem apresentar provas contundentes, Pedro Leite sugere irregularidades do Executivo na contratação de empresas para prestação de serviços de tomografia e na execução dos recursos que compõem o Fundo Estadual de Saúde. E foi com base nessa documentação fragmentada, fornecida pelo promotor de Justiça, que deputadas e deputados entrincheirados no front oposicionista tramaram e implantaram a CPI da Saúde com o objetivo de criar fatos e tentar comprometer o governo atual diante da opinião pública e, dessa forma, associar sua imagem a supostos esquemas de corrupção.

A proposta deveria ser formulada por um deputado oriundo do baixo clero, com pouca expressividade no cenário político, necessitando desesperadamente de um arranjo para ganhar notoriedade. Coube então ao deputado Valdeco Vieira desempenhar essa missão de varejo político. Ao anunciar a instalação da CPI, o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Moisés Souza, talvez sem querer tenha contemplado a população amapaense com um presente inédito: a oportunidade de "passar a Saúde a limpo" – segundo palavras premonitórias de Valdeco Vieira.

Gestões na Sesa marcadas por rumorosos escândalos


No entanto, para "passar a Saúde [realmente] a limpo", como sugere o popular cristão, a CPI teria de aprofundar as investigações, retroagindo ao início do governo Waldez Góes, mais precisamente a partir do dia 1º de janeiro de 2003, quando o então ex-senador e médico Sebastião Bala Rocha (hoje deputado federal pelo PDT do Amapá) , assumiu a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).

Ocupava o topo dessa hierarquia outro médico, Cláudio Leão, que se tornaria secretário da Saúde 19 meses depois, após "Bala" se desincompatibilizar para disputar a prefeitura de Macapá, nas eleições municipais de 2004. Porém, Leão ficou pouco tempo no cargo e logo foi sucedido pelo também médico Abelardo Vaz.

Esses três estiveram à frente da Sesa no começo do primeiro mandato de Waldez Góes, e foram responsáveis pelas nomeações internas que resultaram, segundo levantamentos do Ministério Público Federal (MPF), na montagem de amplo esquema de corrupção nos bastidores da secretaria. Bala e Abelardo foram presos em duas operações da Polícia Federal. Na casa de Abelardo, por exemplo, os policiais federais encontraram dinheiro na caixa de descarga do banheiro.

Se fosse conduzida com seriedade, a recém-criada CPI da saúde revolveria uma história escabrosa, cujo ápice ocorreu entre 2003 e 2005, quando a quadrilha que fraudava licitações dentro da secretaria começou a ser investigada pela Polícia Federal. Nesses três anos, quatro empresas suspeitas de participar do esquema de corrupção na Sesa receberam mais de R$ 40 milhões dos cofres do Estado. Dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS) que deveria ser aplicado no atendimento médico-hospitalar da população carente do Amapá. Porém, foi parar nas co ntas secretas de políticos, empresários e servidores públicos.

Responsáveis pela "Máfia da Saúde" continuam impunes


A CPI da Saúde igualmente traria à tona indícios do envolvimento de Waldez Góes e da mulher dele, a ex-primeira-dama e atual deputada estadual Marília Góes (ambos presos pela Polícia Federal, em setembro de 2010) na "Máfia da Saúde". Existe farta documentação sobre essas suspeitas, inclusive divulgadas na imprensa nacional, a exemplo da edição do jornal Folha de S. Paulo, página A8, Editoria Brasil, que veiculou reportagem de página inteira sob o título "Fitas da PF lançam suspeita sobre governador do Amapá".

Se fosse para atuar com seriedade, as investigações da CPI da saúde, que a priori serão coordenadas por Valdeco Vieira, certamente percorreriam esse intrincado caminho se a proposta fosse o de "passar a saúde a limpo". Nesse caso, com certeza as gestões dos médicos Uilton Tavares, Rosália Figueira, Pedro Paulo Dias de Carvalho (os dois foram presos pela PF e Rosália foi indiciada) e do irmão de Pedro Paulo, o cirurgião Elpídio Dias de Carvalho, sem esquecer a gestão da delegada de Polícia Civil Odanete Biondi (ela também foi secretária da Saúde), deveriam ser novamente devassadas. Como isso não ocorrerá, comentam experientes observadores da política amapaense, fica evidenciado que a instalação da CPI da Saúde tem motivos políticos.

Mesmo desconfiando ter sido transformado em "massa de manobra" nas mãos de tribunos mais ardilosos no parlamento estadual, Valdeco Vieira passou a agir desenvolto sob as luzes da ribalta e se erigiu "consciência da coletividade". Em recente entrevista, muito divulgada pela imprensa,  Vieira foi incisivo ao afirmar que a Promotoria de Justiça instaurou procedimentos e iniciou uma série de investigações a respeito das "denúncias" contra a Sesa. "O Ministério Público fez a parte dele, mas esbarrou em limitações da legislação, daí ter recorrido à Assembleia Legislativa, que é quem tem poder para a abertura de processos e identificar a prática de crimes de responsabilidade por parte de secretários de Estado, dos governadores ou de seus vices."

Quatro operações da Polícia Federal atingiram a Saúde entre 2004 e 2010


Das quase 30 operações que a Polícia Federal do Amapá realizou no Amapá entre 2004 e 2010 (gestão dos ex-governadores Waldez Góes e Pedro Paulo, pelo menos quatro passaram por dentro da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), levando quatro secretários para a cadeia, mas isso não será objeto de apuração pela CPI da Saúde aprovada esta semana na Assembleia Legislativa do Amapá. A CPI se deterá apenas nos doze meses da gestão do governador Camilo Capiberibe.

A primeira operação que varreu a Sesa foi Pororoca, ocorrida em 2004, com a prisão de 25 pessoas em três Estados e no Distrito Federal. Entre os presos estava o então secretário Bala Rocha, que atualmente é deputado estadual e emprega em seu gabinete o ex-governador Waldez Góes. Os presos eram acusados de participar de uma quadrilha que fraudou licitações de pelo menos 17 grandes obras pública no Amapá, que juntas, segundo a Polícia Federal, totalizavam R$ 107 milhões.

Em seguida passou pela secretaria a Operação Sanguessuga, que desarticulou uma organização criminosa especializada na prática de crimes contra a ordem tributária e fraude em licitações na área da saúde. Depois veio a Operação Antídoto, com vários desdobramentos, para desmantelar uma quadrilha que fraudava licitações para aquisição de medicamentos. Foram presas 25 pessoas, incluindo dois secretários de Saúde do Amapá.
No dia 10 de setembro de 2010, desembarcaram no Amapá 700 policiais federais para prender uma organização criminosa composta por servidores públicos, agentes políticos e empresários. Os presos são acusados de desviar recursos públicos do Estado e da União. Entre os presos, todos levados para presídio de Brasília, estavam o então governador Pedro Paulo (fora secretário de Saúde) o ex-governador Waldez Góes e a mulher dele, ex-secretária de Estado e atual deputada estadual Marília Góes.

"A Assembleia não vai apurar nada do governo passado para não atingir a "colega" Marília Góes e outros deputados que estão no mandato, disse na terça-feira 6 uma deputada (com compromisso de não ter o nome revelado) ouvida pela Folha. A revelação da deputada faz sentido, pois depoimentos prestados à Polícia Federal (principalmente por Luiz Mário Araujo de Lima e Narciso Bitencourt) são comprometedores contra a mulher do ex-governador. Eles falam em recebimento de dinheiro, compra de fazenda para o pai e um conta pessoal com mais de R$ 1 milhao. Mas nada disso será apurado pelos deputados estaduais do Amapá.

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