A revista CartaCapital, edição impressa desta semana, publica excelente matéria sobre a "onipresença" do clã Sarney nos estados no Maranhão e do Amapá. Nela, fica claro omodus operandi da oligarquia para conquistar em manter-se no poder.
O outro feudo de Sarney
Por Miguel Martins, de Macapá
Amapá. Os aliados do senador valem-se de todas as armas para apear do poder os Capiberibes, adversários históricos
Fundada em 1995, o município de Amapá do Maranhão não é uma homenagem ao estado criado pelo Constituição de 1988, mas à árvore nativa da Amazônia. Conta-se que sob um solitário amapá, no centro do vilarejo maranhense, davam-se os principais encontros dos seus 6 mil habitantes. Um observador malicioso, versado na política da região, poderia imaginar no batismo alguma relação com a onipresença da família Sarney em ambos os estados. Desde a transferência de seu domicílio eleitoral para o Amapá, em 1990, o ex-presidente da República José Sarney elegeu-se senador nas três eleições que disputou. A mudança abriu espaço no Maranhão para a consagração da filha como a sua principal sucessora. Roseana Sarney assumiu o governo estadual pela primeira vez no mesmo ano de emancipação do pequeno município maranhense. Se não desse nome a uma cidade, "Amapá do Maranhão" poderia ser um estribilho usado por Camilo Capiberibe, governador do Amapá pelo PSB, para se referir ao grupo de aliados de Sarney em seu estado. Próximo do fim do mandato e aprovado por 26% dos eleitores, segundo uma pesquisa CNI/Ibope de dezembro do ano passado, o governador enxerga no "modelo de atraso importado do Maranhão" o principal obstáculo à sua administração.
Filho do senador João Capiberibe, ex-militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN) e governador amapaense nos anos 1990, e da deputada federal Janete Capiberibe, Camilo mantem a tradição familiar de batalha com Sarney e seu grupo. O governador tornou-se o alvo preferencial do empresário e ex-senador Gilvam Borges, do PMDB, principal aliado de Sarney no estado. Provável candidato ao governo em 2014, Borges é dono de três rádios e duas emissoras de tevê, a Tucuju (Rede TV) e a Tarumã (TV Brasil). Foi dele a inciativa de organizar, em 2012, uma "administração paralela" para tocar por sua conta e bolso iniciativas populares, entre elas a construção de moradias e atendimento médico, estripulia que lhe rendeu uma prisão por crime ambiental, em janeiro de 2012, quando tentava aterrar ilegalmente um canal. Em 2005, Borges foi responsável pelas acusações que levaram à cassação dos mandatos dos pais de Camilo em um expediente semelhante àquele usado no impeachmentdo ex-governador pedetista Jackson Lago no Maranhão.
Lago teve o mandato cassado em 2009 por abuso de poder econômico e político em uma votação apertada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entre as denúncias, a compra de votos de quatro eleitoras por 100 reais foi considerada estranha por Marcelo Ribeiro, um dos magistrados do julgamento, por terem as testemunhas assumido o crime "de forma espontânea" à polícia. Roseana Sarney, segunda colocada em 2006, assumiu o governo e recolocou a família no poder. O endereço e os atores mudam, mas o enredo nem tanto. A prova levantada para cassar, em 2005, os mandatos de João e Janete Capiberibe foi o depoimento de duas eleitoras que afirmaram ter recebido 26 reais cada para votar no casal. Mais tarde, um ex-funcionário de Borges afirmou ao Ministério Público ter intermediado a compra das testemunhas. Borges ocupou até 2010 a cadeira de Capiberibe no Senado.
De olho nas eleições deste ano, o peemedebista apressa-se nos ataques. Em dezembro de 2013, Borges foi multado pelo TSE por propaganda eleitoral antecipada negativa, ao dar uma entrevista em um programa de umas de suas rádios na qual incentiva a população a não reeleger Capiberibe. O atual governador acusa as emissoras de Borges de utilizar imagens de hospitais sucateados de outros estados para prejudicar a imagem do governo. "A Saúde no Amapá não é pior do que era. A avaliação da sociedade é, porém, a de uma regressão na área, pois o povo é bombardeado por informações negativas." O peemedebista não atendeu aos pedidos de entrevista. Segundo sua assessoria, o ex-senador encontrava-se no interior do Amapá, incomunicável.
Durante a década passada, a oposição a Sarney no estado dispunha de poucos instrumentos para desafiá-lo. O governo foi ocupado de 2002 a 2010 por uma coligação liderada por PMDB, PDT e PP. Com maioria na Assembleia Legislativa, controle da mídia e relações costuradas com integrantes do Tribunal de Contas e do Judiciário, consolidou-se um monopólio político eficiente, ao menos para seus integrantes. Por esse motivo, o protagonista da reviravolta eleitoral de 2010 não foi um candidato, mas a Polícia Federal. As prisões do então governador Pedro Paulo, do PP, do ex-governador Waldez Góes e do então prefeito de Macapá, Roberto Góes, irmãos e colegas de PDT, transformaram-se em um senhor cabo eleitoral para Camilo Capiberibe, preferência de apenas 10% do eleitorado a um mês do pleito. Os três foram acusados de comandar um esquema de desvios de recursos públicos estimados em 1 bilhão de reais.
Os interesses do grupo de Sarney continuam firmes, porém. Cenário que consolida a Avenida FAB, principal via da capital Macapá, com um front de disputa políticas. No corredor de 3 quilômetros encontram-se os principais órgãos da administração pública do estado, entre eles o Palácio Setentrião, sede do governo, e o Ministério Público. É um caso raro em que a proximidade física também é política. Capiberibe cultiva boa relação com a procuradora-geral de Justiça, Ivana Cei. Nos outros numerais da FAB, o governador coleciona mais adversários do que aliados: na Assembleia Legislativa, responsável por abrir processo de impeachment contra ele em 2011, no Tribunal de Contas do Estado, que suspendeu, em 2013, um contrato de publicidade do governo por uma frágil suspeita de superfaturamento, ou na Justiça Federal, responsável por uma decisão que ameaça a concretização de seu principal projeto econômico, a exploração sustentável de madeira na Floresta Estadual do Amapá (Flota).
Uma das promessas de campanha de Capiberibe era diminuir a dependência do Amapá em relação à União, responsável por 72% do Orçamento estadual. Para tanto, organizou um plano de manejo na Flota, reserva amazônica que ocupa 16% do território estadual e guarda um grande potencial para a extração de madeira. Em outubro de 2013, sua administração lançou o pré-edital do primeiro lote de concessão florestal. Segundo o governador, além da geração de renda e emprego, um dos objetivos é regularizar a exploração de madeira no Amapá, onde, segundo o Instituto Estadual de Florestas, 80% a 90% da atividade é ilegal.
Em novembro de 2013, uma decisão do juiz federal João Bosco Soares declarou a inconstitucionalidade da lei de criação da Flota, aprovada pela Assembleia Legislativa em 2006. Na liminar, Soares considerou a reserva amazônica propriedade da União. Desde 2009, uma lei sancionada pelo então presidente Lula assegurou a transferência da floresta ao Amapá, mas falta um decreto regulamentador para garantir o repasse definitivo. A decisão do juiz federal não mencionou a lei recente. O entrave jurídico ocorreu meses após a realização de uma audiência pública encampada pelo deputado estadual Eider Pena, do PSD, que sugeria revogar a lei de criação da Flota para proteger as terras de agricultores familiares. A preocupação do deputado com os pequenos proprietários parece ser recente. Em 2008, o Incra ajuizou no Ministério Público uma ação contra Pena por compra ilegal de mais de 400 mil hectares de terras.
Capiberibe vê estranhos interesses políticos por trás da decisão da Justiça. "No Brasil, há uma disputa entre dois modelos: a agricultura familiar e o agronegócio. Ao tornar inconstitucional a lei, inviabiliza-se um projeto sustentável em favor de grandes interesses agrícolas." Soares garante que a decisão tem em vista os interesses dos agricultores familiares e o respeito à Constituição, e reclama da postura do governador ao preferir levar a polêmica à mídia antes de recorrer da decisão.
De fato, Capiberibe foi aconselhado por Ivana Cei a recorrer, mas ainda não entrou com o pedido por "questões burocráticas". A chefe do MP estadual é, por sinal, desafeto do juiz Soares. O magistrado formalizou, em 2012, denúncias contra a procuradora-geral na Corregedoria Nacional do Ministério Público, com base em supostas ligações de Cei com mineradoras multinacionais, conforme relatou Leandro Fortes em reportagem da edição 758 de CartaCapital. A resposta veio em outubro de 2013, quando o MP encaminhou um dossiê contra o magistrado ao Conselho Nacional de Justiça, que decidiu instaurar um processo para investigar as acusações de tumulto processual e reiteradas atitudes de cunho político, entre outras.
Em abril de 2013, o juiz foi fotografado abraçado ao senador José Sarney no anúncio da liberação de 400 milhões de reais pelo Ministério das Cidades para a construção de habitações populares no Amapá. O MZ Portal, site local de notícias, publicou no ano passado um e-mail no qual Soares solicitava à pasta informações sobre o mesmo projeto para "repassar ao senador José Sarney, que tem sido incansável nessa luta". O magistrado afirma que sua relação com o político é "de instituição para instituição, impessoal".
Embora raramente ponha os pés em Macapá, Sarney paira sobre a política estadual. Após anúncio de uma provável aposentadoria, ainda não se sabe se concorrerá ao Senado em 2014. Sua carreira política pode terminar este ano, mas os herdeiros do "Amapá do Maranhão" devem continuar a defender o "legado" do senador no estado. Caso percam espaço, a presença simbólica de Sarney estará garantida por homenagens do comércio local. Bem próximos à Avenida FAB, um restaurante, uma lanchonete e uma churrascaria estampam o sobrenome do ex-presidente da República.
5 comentários:
Nessa disputa quem perde somente é o povo!
É uma falta de vergonha oque esses politicos estão fazendo em nosso estado!
Esse políticos tem que ser todos desmembrados de nosso estado, só assim podemos progredir
Briga de cachorro grande, graças a Deus o povo ta acordando!
Que o diga minha pequena, mais rica, Ferreira Gomes. Novo feudo dos Borges/Sarney&Cia, que afastaram o prefeito eleito e postergam ao máximo o julgamento do caso no TSE, haja vista que não existem provas contra o prefeito deposto. Ainda pesa contra o prefeito afastado, a sua proximidade com o Governador Camilo. Forças nada ocultas que moldam a justiça a seu bel prazer no Amapá.
Nada que transparência, no olho do povo, no período eleitoral não resolvam.
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