terça-feira, 29 de novembro de 2011

Discurso de posse do senador João Alberto Capiberibe

Obrigado! Muitíssimo obrigado aos 130.411 cidadãos e cidadãs do Amapá que com seus votos protagonizaram esse momento, pondo fim ao meu segundo exílio político, que já durava seis anos. Obrigado!

Sr. Presidente
Senhoras senadoras, Senhores Senadores

Permitam-me saudar meu companheiro de duras jornadas, senador Antônio Carlos Valadares, líder do Partido Socialista Brasileiro nessa casa. Estendo essa saudação a minha querida companheira da Bancada Socialista senadora Lídice da Mata, como também ao companheiro e amigo senador Rodrigo Rollemberg.

Também gostaria de cumprimentar os senadores José Sarney e Randolfe Rodrigues, a quem me junto a partir de agora para compor a representação do meu querido Estado do Amapá nessa casa.


Sinto-me feliz e honrado com tantas presenças ilustre nesse momento tão decisivo de minha trajetória política. Com emoção, lembrando o grande guerreiro do povo brasileiro Miguel Arraes, cumprimento meu companheiro presidente do Partido Socialista Brasileiro, governador Eduardo Campos. Também cumprimento e agradeço as presenças dos governadores socialistas Wilson Martins do Piauí, Ricardo Coutinho da Paraíba e Camilo Capiberibe do Amapá. Alegra-me contar com a presença combativa e solidária do companheiro Roberto Amaral, vice-presidente nacional do PSB.

Permitam-me um breve comentário, porém antes de fazê-lo, preciso respirar fundo para conter a emoção. O jovem governador Camilo, que ali se encontra sentadinho, ao lado de sua companheira Claudia e de seus filhos João e Cloé, nasceu na longa noite de nosso primeiro exílio, quando eu e Janete, no dizer do poeta, errávamos cegos pelo continente. Numa manhã ensolarada, coisa rara no outono Santiaguino, veio ao mundo junto com sua irmã Luciana, que também está aqui, na verdade bem ali, ao lado de seu filho Thomas e de Diva. Nasceram no Chile de Pablo Neruda, Violeta Parra e do inesquecível companheiro presidente Allende. Tanto Camilo, como Luciana, foram essenciais para que nesse momento eu estivesse do alto dessa tribuna, relembrando o dia em que nasceram.

Vejo aqui nesse plenário a deputada Sandra Rosado, líder de nossa bancada na Câmara Federal, a quem cumprimento dizendo que não tenho palavras para traduzir nosso sentimento a cada vez que um deputado ou deputada subia aquela tribuna para dizer ao Brasil que nossa exclusão da vida pública era incompreensível, inaceitável. Essas manifestações não se limitavam aos nossos companheiros de bancada, eram plurais, reflexo da diversidade política e ideológica daquela casa. Assim é o parlamento, viva a democracia! Muitíssimo obrigado.

Nesse momento, no Senado da República, tanto na tribuna de honra, quanto na galeria, meus conterrâneos me honram com suas presenças. Tenho certeza de que a maioria está incluída entre os 130.411 protagonistas desse momento. É uma tarefa difícil nomear cada um dos presentes e só me resta dizer a vocês todos que me sinto extremamente feliz em encontrá-los nesse evento histórico! Bem sei que somos consequência de nossas escolhas, mas preciso de um nome entre os amapaenses que aqui estão para simbolizar todo esse sentimento e a esperança no que virá. Digo-lhes que sou um esfomeado e sedento de Justiça, portanto elegi o nome de uma mulher corajosa, o da procuradora geral de justiça do Amapá Ivana Cei, aqui entre nós, para saudar a todos os que de tão longe vieram testemunhar esse ato de fé democrática. Também aproveito para cumprimentar meus suplentes Ivanci Magno e Birinha Picanço.

Há seis anos, desta tribuna me dirigi a um plenário atônito, atropelado pelos fatos. Estava eu sendo expurgado do mandato de senador por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. Lembro que a tensão e o odor de conspiração dominavam o ambiente. Hoje o clima é outro, olho e vejo algumas pessoas que  testemunharam aqueles acontecimentos injustos do passado. Olhem só! Quem estava lá e agora está aqui,  lembro dela indignada e impotente diante da injustiça, e hoje sorridente e feliz vendo a democracia triunfar, falo da deputada Luiza Erundina, obrigado por esses anos todos de apoio e solidariedade.

Mas está faltando alguém nesse inventário de lembranças. Trata-se de uma linda mulher que lá pelos anos setenta, depois de varar a noite comigo lendo o Diário do Che, comprometeu-se definitivamente com sonhos e utopias. Mas nossa militância não foi longe, logo caímos presos, ela no oitavo mês de gestação, os homens da ditadura não a perdoaram, foi torturada, mas resistiu, nossa filha nasceu linda e saudável. Meses depois, aproveitando um cochilo dos meus carcereiros escapei da prisão. Juntos, os três, empreendemos uma fuga espetacular pelo rio Amazonas. Sem lenço e sem documentos, passamos pela Bolívia, depois Peru até chegar ao Chile de Allende, onde como já falei nasceram seus irmãos Camilo e Luciana. Aquela criança de tantas aventuras no passado, hoje vive serenamente esse momento de rara felicidade, ali está Artionka sentada com seu filho Antônio e o marido Ronaldo.

Ainda que tenham usurpado seis anos de nossas vidas, lembro como se fosse hoje, ela, minha companheira de vida e de luta, comovida, mas decidida, subiu a essa tribuna, perfilou-se ao meu lado, protegeu-me colocando sua  mão direita no meu ombro esquerdo, assim permaneceu enquanto eu me dirigia ao plenário reafirmando minha crença na política como instrumento de transformação da sociedade. Naquele discurso prometi retornar a essa casa e a essa tribuna para o exercício daquilo que acredito, aqui estou e ela também, peço a deputada federal Janete Capiberibe que se aproxime. Vamos repetir a mesma cena de seis anos atrás, só que dessa vez para dizer ao Brasil que aqui estamos para retomar a luta por  um país justo, fraterno, de bem com a natureza.

Fui prefeito de Macapá (1989-1992) e governador do Amapá por dois mandatos (1995-2002). No período em que governei o Estado, por questões orçamentárias tive algumas divergências com o Judiciário, ainda assim, nunca fui condenado, nem mesmo respondi processo por improbidade administrativa ou criminal. Tampouco carrego qualquer pendência com os Tribunais de Contas, do Estado ou da União.
Nas oportunidades em que a sociedade me confiou gerir seu dinheiro, eu o fiz com zelo e transparência. Por que então me custou tanto assumir esse mandato de senador da República, conquistado democraticamente em 2010 por sufrágio universal?

Alguém desse plenário poderia me perguntar: se você nunca foi condenado, por que então o TSE o enquadrou na Lei da Ficha Limpa e lhe cassou o registro de candidato no dia 30 de setembro de 2010, há 48 horas da eleição?

Tenho sim! Não posso omitir, duas condenações, ocorridas em momentos históricos diferentes e aparentemente antagônicos.
A primeira condenação aconteceu nos tempos sombrios de coturnos e baionetas. Em 1970, por ter as minhas convicções, um tribunal militar me sentenciou a seis anos de prisão por atividades subversivas. Fiquei onze meses preso. Um dia, como já disse, meus carcereiros cochilaram, juntamente com Janete e Artionka fomos bater no Chile de Salvador Allende.

Oito anos depois, a Lei da Anistia pôs fim ao nosso primeiro exílio, retornamos ao Brasil. Tempos depois, na democracia, com as feridas do passado já cicatrizadas, fui sentenciado por um outro tribunal, o TSE, Tribunal Superior Eleitoral. Como única prova, e não sou eu que digo, mas o que está escrito nos autos do processo e no acórdão, o depoimento de duas mulheres que me acusavam de lhes ter comprado os votos por vinte e seis reais, pagos em duas parcelas – história rocambolesca que não resiste a uma busca simples no Google – mas suficiente para o TSE reformar o acórdão do TRE do Amapá, que havia nos declarado inocentes, e, por cinco votos a dois, cassou-me o mandato de senador conquistado nas eleições de 2002, mas não só o meu: com a mesma acusação absurda ceifaram o mandato de uma deputada federal, simplesmente por ter Capiberibe no nome. Janete, depois de consagrada nas urnas como a deputada federal mais votada para a Câmara
 Federal nas eleições de 2002, também perdeu seu mandato. Mas recuperou-o em 2006, voltando à Câmara Federal como a mais votada, em 2010 repetiu o feito.

Dizem que um raio não cai duas vezes na mesma cabeça, mas depois de cassado na ditadura, o TSE conseguiu o inusitado. Foi além, mostrou que um raio pode sim cair uma, duas, três vezes na mesma cabeça. Com base em uma lei aprovada por um parlamento acuado, o TSE decidiu jogar para a plateia. Contrariando a Constituição, fez valer a Lei da Ficha Limpa, o que me impôs uma terceira cassação. Mas dessa vez, como em algumas ocasiões na vida, eu e Janete, escapamos por um triz. Em 23 de março deste ano, o Supremo Tribunal Federal decidiu que essa lei, por ferir o art. 16 da Constituição Federal, não valeria para as eleições de 2010, quando me elegi senador e Janete deputada federal. Depois veio a longa espera para ver concretizada a decisão do STF. Uma enxurrada de recursos foi interposta com o fim único de adiar esse momento, mas agora que estamos aqui, em pleno gozo de nossos direitos políticos, começando um novo momento, dispostos a contribuir com nossa visão e experiência para uma sociedade mais justa, mais humana.

Agora é bola pra frente. Vamos rumo ao futuro, do Amapá e do Brasil.
Sou militante ha 24 anos do Partido Socialista Brasileiro, todos os cargos eletivos que exerci foram conquistados pela bandeira socialista. Mas a vitória do ano passado foi excepcional. Fizemos a campanha enfrentando terríveis adversidades, inteiramente na oposição, sem participação em qualquer esfera de governo e sem recursos financeiros. Acrescente-se que concorremos sub judice, prato cheio para os nossos adversários. Ainda assim, o povo se manteve firme sufragando nossos nomes. Agora é mais do que justo que exijam resultados de nossa atuação, e portanto estamos aqui decididos a corresponder às expectativas do povo generoso do Amapá. Se assim penso, não deve ser diferente o compromisso do senador José Sarney que representa nosso povo há 21 anos, assim como do senador Randolfe Rodrigues, que obteve uma clara e inequívoca votação. Somos três senadores, com a mesma força política da bancada de qualquer outro estado da Federação, mas nossas demandas são pequenas, e podemos sempre argumentar que protegemos a foz do grande rio e vários milhões de hectares de floresta.

Confesso que, independentemente das divergências políticas e ideológicas que possamos ter, vamos trabalhar pelo Amapá acima de tudo. Não vou negar, é notório que existem diferenças com meu colega de bancada Senador José Sarney, mas devo admitir que, para atender as demandas do povo que nos elegeu, que nos mandou a esta casa, isso não será um obstáculo, vamos juntos definir um plano de ação da bancada e agir de forma articulada junto a presidenta Dilma e o Governo Federal. Garanto que é tudo que o jovem governador Camilo Capiberibe quer e precisa para retirar o Amapá da situação caótica em que encontrou a infraestrutura e as finanças do Estado.

Nesse dia de festa, mesmo sem me estender, não poderia deixar de registrar o passivo financeiro e ético deixado pela ação predatória de criminosos infiltrados em algumas siglas partidárias que governaram o Amapá ao longo de oito anos. O Brasil certamente não esqueceu o que nos aconteceu. Tivemos nosso orçamento público saqueado por essas quadrilhas. Mesmo com a ação enérgica da justiça, que no período determinou a prisão de cinco secretários de saúde, de governadores, empresários e servidores públicos, não foi possível estancar a sangria. O governador Camilo Capiberibe terminou recebendo um estado dilapidado e falido. Mas esse debate travaremos mais adiante aqui desta tribuna.

Na minha curta passagem por essa casa plantei uma semente que vicejou transformando-se em uma árvore frondosa. Falo da Lei complementar 131/2009 ou Lei da Transparência. De nossa iniciativa, o projeto tramitou célere e foi aprovada por unanimidade  nesse plenário. Na Câmara, a deputada Janete Capiberibe se encarregou de articular sua tramitação e buscar apoio da sociedade civil. Depois de aprovada pelas comissões e com a chancela da OAB, ABI, AMB, CNBB etc. O projeto chegou ao plenário, onde recebeu atenção especial do nosso líder na casa, que o levou a aprovação. O deputado líder que conduziu aquele processo com grande habilidade está entre nós, trata-se do hoje senador Rodrigo Rollemberg, a quem agradeço, em meu nome e de todos aqueles que querem u m Brasil mais republicano e justo.

A Lei da Transparência tornou obrigatória  a exposição detalhada, em tempo real, das receitas e despesas de todos os entes públicos. Agora precisamos dar uma passo adiante. Que tal jogarmos um balde de tinta branca no fantasma dos impostos indiretos? Revelando aos cidadãos e cidadãs, não diria todos, mas pelo menos aqueles que incidem diretamente nos produtos adquiridos nos shoppings, supermercados e postos de gasolina. Pensando nisso, estou dando entrada num PLS, Projeto de Lei do Senado, propondo medidas para informar os consumidores acerca de tributos que incidem diretamente sobre bens e serviços, conforme disposto no & 5º do art. 150 da Constituição Federal.

Essas duas leis se complementam. Hoje, qualquer pessoa com acesso a internet pode saber em quê e como o Governo Federal ou Governo do Amapá gasta seu dinheiro. Amanhã, com aprovação desse projeto, que chamo de Impostos às Claras, cidadãos e cidadãs finalmente irão saber que pagam e quanto pagam de imposto.

Encerro minhas palavras lembrando que há uma semana o mundo perdia uma mulher cuja existência foi exemplar e relevante para a humanidade, refiro-me a Danielle Miterrand, que faleceu em Paris aos 87 anos. Danielle dedicou sua vida à causa dos deserdados e combateu todas as formas de opressão. Como militante, ela sempre assumiu um papel de primeiro plano em defesa dos direitos humanos. Eu e Janete a conhecemos em 1997, a partir daí, tornou-se nossa amiga e também do Amapá.

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