Cristian Klein / Valor
Tão aguerrido e ousado nas propostas de mudança, o PSOL está pisando em
ovos para compor sua primeira prefeitura de capital, em Macapá. Com
dificuldades de encontrar nomes para formar o governo, o prefeito eleito
Clécio Luís revelou finalmente seu secretariado, depois de marcar e
adiar por duas vezes o anúncio na semana passada. A principal
curiosidade é o perfil técnico dos escolhidos. A primazia da política e
da força dos movimentos sociais foi deixada de lado em prol da
eficiência e da responsabilidade. Governar é outra história, justifica o
prefeito.
"Vamos ser a vitrine. E o cuidado não é exatamente porque o partido
deixou de ser pedra para virar vidraça. É que a vitrine atrai. As
pessoas passam, olham e querem tocar. Todo mundo está de olho: a
direita, a esquerda, e também internamente, o partido. Não podemos
errar", diz o ainda vereador Clécio Luís, de 40 anos, eleito em disputa
apertada contra o atual prefeito, Roberto Góes (PDT), por 50,59% contra
49,41%.
Macapá é a primeira capital conquistada pelo PSOL e, ao lado do
município fluminense de Itaocara, são as duas primeiras prefeituras que a
legenda administrará desde que foi fundada, em 2004.
Segundo Clécio, o governo da capital do Amapá será composto pelos sete
partidos que integraram a coligação (PSOL; PPS, sigla do vice-prefeito
eleito Allan Sales; PV, PMN, PRTB, PTC e PCB), mais o PCdoB, que
concedeu apoio no segundo turno. Mas não contará com ninguém do DEM, do
PSDB e do PTB, cujos expoentes se juntaram a Clécio depois do primeiro
turno, numa adesão que causou constrangimento e foi levado à direção
nacional do PSOL.
Com o aperto da cúpula, as legendas de centro e de direita ficarão de
fora, sob o argumento de que não houve apoio partidário e sim de pessoas
isoladamente, como o candidato derrotado do DEM, no primeiro turno, o
deputado federal Davi Alcolumbre. A lógica não se aplica ao PT, que se
dividiu no segundo turno, mas terá participantes no governo.
A representação de partidos, de todo modo, não será a prioridade.
Clécio afirma que os indicados foram escolhidos a partir de três
critérios: o técnico, o ético e o político. Na lista, vários dos
escolhidos possuem mais de uma pós-graduação ou mestrado em
universidades.
O prefeito eleito diz que o PSOL considerou "espaços inegociáveis"
certas secretarias como as de Cultura, Finanças, Saúde, Planejamento
-estas duas, ainda não anunciadas- e a Procuradoria, embora os indicados
não sejam necessariamente filiados ao partido. "Somos um partido em
construção. Temos dificuldade de quadros", reconhece.
Até o principal nome, que chefiou a equipe de transição, o economista e
professor Charles Chelala, não é filiado ao PSOL. Ele será o secretário
de Governo. O economista era o coordenador do escritório político em
Macapá do senador Randolfe Rodrigues, cuja eleição em 2010 abriu caminho
para a vitória do PSOL à prefeitura da capital. "Nem posso dizer que eu
o indiquei. Ele foi roubado. Não tive alternativa", reclama o senador,
em tom ao mesmo tempo de brincadeira e seriedade.
A escassez de opções se tornou ainda mais dramática em virtude do
"levantamento rigoroso" que vasculhou o passado e eliminou alguns dos
cotados, alvos de processo na Justiça. Chelala afirma que esta foi uma
das razões para a demora na apresentação do secretariado. "Não podemos
correr o risco de anunciar e dois, três dias depois se descobrir algo e
ter que desconvidar a pessoa. Aqui, isto cria um problema mais sério que
numa cidade maior porque você vira a esquina e encontra todo mundo",
compara.
A dificuldade poderia ter sido contornada com a "importação" de nomes
de outros Estados, seja do PSOL ou de legenda aliada - alternativa que
foi descartada. "Há um bairrismo em Macapá. Não é cosmopolita como
outras capitais. A iniciativa de trazer nomes de outros lugares nunca
foi muito bem aceita na cidade", afirma Randolfe Rodrigues.
"Diriam que chamamos alienígenas", prevê Clécio, que pretende recorrer a
outras formas de ajuda, como técnicos, consultorias ou experiências de
gestão bem-sucedidas.
Temerosa de indicar nomes com pendência judicial ou sobre os quais
pairem suspeitas de irregularidades, até o último momento a equipe do
prefeito eleito fazia "testes de segurança", com "check lists" sobre o
currículo dos indicados.
A obsessão reflete as ameaças e também as oportunidades. O PSOL herda
uma administração aos frangalhos que foi comandada por um prefeito preso
duas vezes durante o mandato por envolvimento em denúncias de
corrupção.
A sigla tenta levantar o que seria "o primeiro governo honesto de
Macapá", numa capital e num Estado dominados por desvios de verbas
públicas. Em 2010, o então governador Pedro Paulo Dias (PP) foi preso
durante a campanha eleitoral e também não conseguiu se reeleger, assim
como Roberto Góes neste ano.
Um dos desafios, porém, é a oposição que o novo prefeito deve encontrar
na Câmara Municipal. O PSOL elegeu dois vereadores, que, com os três
eleitos por PCB, PV e PTC, aliados na coligação, somam cinco. Mais os
três eleitos pelo PSB e um pelo PT, a bancada governista chega, por
enquanto, a no máximo nove parlamentares (39%) de um total de 23
vereadores.
Clécio, no entanto, se diz confiante em obter a maioria, a começar na
eleição para a presidência da Casa, onde seu candidato é Nelson Souza
(PCB). "Acho que está empatado. Temos 11 votos confirmados, e eles [a
oposição] também. Há um ou outro vereador gravitando entre os dois
lados", afirma. (Colaborou Raphael Di Cunto, de São Paulo)
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