segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Juristas contra o golpe: "Não há ato da presidente que justifique o impeachment"

Não há ato da presidente que justifique o impeachment, dizem juristas


Um grupo de renomados juristas, advogados e professores de Direito se reuniu nesta segunda-feira (7), no Palácio do Planalto, com a presidenta Dilma Rousseff, para discutir os aspectos jurídicos do processo de impeachment em tramitação no Congresso. A conclusão dos especialistas, que apresentaram pareceres sobre o tema, foi unânime: não há qualquer ato pessoal ou direto da presidenta que possa caracterizar o chamado crime de responsabilidade, que justificaria a interrupção do mandato conferido pelas urnas.

Para Marcelo Labanca, professor da Universidade Católica de Pernambuco e membro do Grupo REC – Recife Estudos Constitucionais, as chamadas “pedaladas fiscais” (atraso pontual de repasses para bancos públicos que executam programas sociais) não configuram crime, e sem crime, não pode haver pena.
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“Crime de responsabilidade exige fraude, exige a intenção da desonestidade. Não é qualquer ato ilícito. Existe a vontade de fraudar. Portanto, não foi identificado, diante do exame que nós fizemos”. Foto: Roberto Stuckert Filho/ PR

“O crime de responsabilidade exige a fraude, exige a intenção da desonestidade. Não é qualquer ato ilícito. Existe a vontade de fraudar. Portanto, não foi identificado, diante do exame que nós fizemos, no nosso parecer, no nosso estudo jurídico-acadêmico, qualquer ato que pudesse levar a presidenta da República a perder o seu mandato”, afirma Labanca, para quem se está diante de uma situação onde o direito está sendo manipulado, com finalidade mais política do que essencialmente jurídica.

O parecer de Labanca foi elaborado em conjunto com professores como o procurador Gustavo Ferreira Santos, da cadeira de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco e Universidade Federal de Pernambuco.

Para o juiz federal Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, diretor da Faculdade de Direito do Recife, o exame das chamadas “pedaladas fiscais” deve ser feito no contexto da grave da crise econômica internacional dos últimos anos.

Ao analisar a situação econômica, o juiz lembrou que o governo federal aportou, apenas em 2014, mais de R$ 400 bilhões na Caixa Econômica Federal, e teve um pequeno atraso “que implicaria, se suspenso o pagamento, num desastre social, com milhares e milhões de pessoas sem receberem o Bolsa Família”.

“Aí seria caso de impeachment”, disse Cavalcanti. “Seria melhor atrasar um pouco pagamentos à Caixa Econômica de que deixar tantas e tantas pessoas sem recursos. Deveríamos deixar de transferir recursos para o BNDES, reduzir a desoneração, para assegurar uma receita e ver uma redução grave no nível de emprego?”, perguntou.

Manipulação política
Juarez Estevam Tavares, pós-doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt, professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, chamou a atenção para o fato de que, em relação aos crimes de responsabilidade, não se pode aplicar algumas normas de direito penal, como a condenação por omissão.

“Por exemplo, são incompatíveis com os crimes de responsabilidade os chamados delitos omissivos impróprios, nos quais, através de um ato legal, se atribui a responsabilidade a alguém de um ato cometido por outra pessoa”, disse Tavares, em relação a possibilidade se atribuir à presidenta Dilma Rousseff atos cometidos por outras pessoas relativamente ao repasse de recursos a órgãos federais.

Ele acrescenta que a conhecida teoria do domínio do fato, já usada pelo Supremo Tribunal Federal, não pode implicar em uma responsabilidade extensiva a todos aqueles que possam estar presentes numa administração pública. “Por isso que esse parecer foi dado, independentemente de coloração partidária. Eu, por exemplo, não tenho nenhuma vinculação a partido político. Eu dei o parecer como jurista”, apontou.

Juristas cobram coerência
Marcelo Neves, professor de Direito Público da Universidade de Brasília ressalta que, ao elaborar estudo sobre as chamadas pedaladas fiscais e decretos contestados, observou que nos anos de 2001 e 2002 eles eram abundantes – e não houve condenação.

“Há uma quebra da coerência jurídica. E a coerência é fundamental para o Estado de Direito. Quando não há coerência, nós ferimos o princípio da isonomia e da segurança jurídica, portanto, é um absurdo o que está se fazendo, é uma irresponsabilidade”, condenou.

O doutor em direito e mestre em Filosofia pela UFMG, Luiz Moreira, afirmou que, após a apresentação dos vários pareceres e estudos no encontro nesta segunda-feira em Brasília, ficou claro que a tese do impeachment pode ser caracterizada como “um golpe parlamentar”.

“Ficou muito claro, para a comunidade jurídica brasileira, que este processo que se iniciou semana passada não tem nenhum fundamento jurídico, não tem nenhum fundamento constitucional. O que o cidadão e a cidadã brasileira precisam entender é que, para o futuro deste País, um futuro em que as pessoas sejam livres, possam programar a sua vida, sua existência, esse futuro não pode ser contestado por atos arbitrários”, declarou Moreira.

O jurista criticou a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de deflagrar o processo de impeachment, chamando-a de “capricho”.

“Estamos aqui a discutir um capricho de uma autoridade da República, que por ter sido contrariada pelo partido da presidenta da República, resolveu receber uma representação e, com isso, colocar todas as instituições da República e a sociedade civil submetidas aos seus caprichos. Este colegiado de juristas se reuniu e se manifestou pela absoluta improcedência, pela absoluta ausência de materialidade a justificar o impedimento do mandato presidencial”, concluiu.

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