Não há ato da presidente que justifique o impeachment, dizem juristas
Um grupo de renomados juristas, advogados e professores de Direito se
reuniu nesta segunda-feira (7), no Palácio do Planalto, com a
presidenta Dilma Rousseff, para discutir os aspectos jurídicos do
processo de impeachment em tramitação no Congresso. A conclusão dos
especialistas, que apresentaram pareceres sobre o tema, foi unânime: não
há qualquer ato pessoal ou direto da presidenta que possa caracterizar o
chamado crime de responsabilidade, que justificaria a interrupção do
mandato conferido pelas urnas.
Para Marcelo Labanca, professor da Universidade Católica de
Pernambuco e membro do Grupo REC – Recife Estudos Constitucionais, as
chamadas “pedaladas fiscais” (atraso pontual de repasses para bancos
públicos que executam programas sociais) não configuram crime, e sem
crime, não pode haver pena.
“O crime de responsabilidade exige a fraude, exige a intenção da
desonestidade. Não é qualquer ato ilícito. Existe a vontade de fraudar.
Portanto, não foi identificado, diante do exame que nós fizemos, no
nosso parecer, no nosso estudo jurídico-acadêmico, qualquer ato que
pudesse levar a presidenta da República a perder o seu mandato”,
afirma Labanca, para quem se está diante de uma situação onde o direito
está sendo manipulado, com finalidade mais política do que
essencialmente jurídica.
O parecer de Labanca foi elaborado em conjunto com professores como o
procurador Gustavo Ferreira Santos, da cadeira de Direito
Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco e Universidade
Federal de Pernambuco.
Para o juiz federal Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, diretor da Faculdade de Direito do Recife, o exame das chamadas “pedaladas fiscais” deve ser feito no contexto da grave da crise econômica internacional dos últimos anos.
Ao analisar a situação econômica, o juiz lembrou que o governo
federal aportou, apenas em 2014, mais de R$ 400 bilhões na Caixa
Econômica Federal, e teve um pequeno atraso “que implicaria, se suspenso o pagamento, num desastre social, com milhares e milhões de pessoas sem receberem o Bolsa Família”.
“Aí seria caso de impeachment”, disse Cavalcanti. “Seria
melhor atrasar um pouco pagamentos à Caixa Econômica de que deixar
tantas e tantas pessoas sem recursos. Deveríamos deixar de transferir
recursos para o BNDES, reduzir a desoneração, para assegurar uma receita
e ver uma redução grave no nível de emprego?”, perguntou.
Manipulação política
Juarez Estevam Tavares, pós-doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt, professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, chamou a atenção para o fato de que, em relação aos crimes de responsabilidade, não se pode aplicar algumas normas de direito penal, como a condenação por omissão.
Juarez Estevam Tavares, pós-doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt, professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, chamou a atenção para o fato de que, em relação aos crimes de responsabilidade, não se pode aplicar algumas normas de direito penal, como a condenação por omissão.
“Por exemplo, são incompatíveis com os crimes de responsabilidade os
chamados delitos omissivos impróprios, nos quais, através de um ato
legal, se atribui a responsabilidade a alguém de um ato cometido por
outra pessoa”, disse Tavares, em relação a possibilidade se atribuir à
presidenta Dilma Rousseff atos cometidos por outras pessoas
relativamente ao repasse de recursos a órgãos federais.
Ele acrescenta que a conhecida teoria do domínio do fato, já usada
pelo Supremo Tribunal Federal, não pode implicar em uma responsabilidade
extensiva a todos aqueles que possam estar presentes numa administração
pública. “Por isso que esse parecer foi dado, independentemente de
coloração partidária. Eu, por exemplo, não tenho nenhuma vinculação a
partido político. Eu dei o parecer como jurista”, apontou.
Juristas cobram coerência
Marcelo Neves, professor de Direito Público da Universidade de Brasília ressalta que, ao elaborar estudo sobre as chamadas pedaladas fiscais e decretos contestados, observou que nos anos de 2001 e 2002 eles eram abundantes – e não houve condenação.
Marcelo Neves, professor de Direito Público da Universidade de Brasília ressalta que, ao elaborar estudo sobre as chamadas pedaladas fiscais e decretos contestados, observou que nos anos de 2001 e 2002 eles eram abundantes – e não houve condenação.
“Há uma quebra da coerência jurídica. E a coerência é fundamental
para o Estado de Direito. Quando não há coerência, nós ferimos o
princípio da isonomia e da segurança jurídica, portanto, é um absurdo o
que está se fazendo, é uma irresponsabilidade”, condenou.
O doutor em direito e mestre em Filosofia pela UFMG, Luiz Moreira,
afirmou que, após a apresentação dos vários pareceres e estudos no
encontro nesta segunda-feira em Brasília, ficou claro que a tese do
impeachment pode ser caracterizada como “um golpe parlamentar”.
“Ficou muito claro, para a comunidade jurídica brasileira, que
este processo que se iniciou semana passada não tem nenhum fundamento
jurídico, não tem nenhum fundamento constitucional. O que o cidadão e a
cidadã brasileira precisam entender é que, para o futuro deste País, um
futuro em que as pessoas sejam livres, possam programar a sua vida, sua
existência, esse futuro não pode ser contestado por atos arbitrários”, declarou Moreira.
O jurista criticou a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de deflagrar o processo de impeachment, chamando-a de “capricho”.
“Estamos aqui a discutir um capricho de uma autoridade da
República, que por ter sido contrariada pelo partido da presidenta da
República, resolveu receber uma representação e, com isso, colocar todas
as instituições da República e a sociedade civil submetidas aos seus
caprichos. Este colegiado de juristas se reuniu e se manifestou pela
absoluta improcedência, pela absoluta ausência de materialidade a
justificar o impedimento do mandato presidencial”, concluiu.
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