Falo da manjada cantilena do transporte público coletivo urbano de
Macapá, de que a razão para o aumento da tarifa é devido ao aumento de
custos de insumos do serviço, etc. e tal.
De um lado, os empresários do setor, choramingando eternos desalentos
relativos ao aumento dos preços de combustíveis, pneus, reajuste de
salários e, mais recentemente, os custos crescentes de manutenção por
trafegarem em péssimas ruas e avenidas de Macapá.
Do mesmo lado, o nosso prefeito – outrora vereador combatente do
modelo do sistema de transporte coletivo que ainda hoje vigora – a
conceder um reajuste de nada menos que 30,95% sobre a tarifa, aumentando
R$ 0,65 em cada passagem de ônibus, um salto de R$ 2,10 para R$ 2,75
desde o último dia 5 de setembro.
Assistindo ao desenrolar da novela, o usuário sente o preço da
passagem onerar o orçamento familiar em percentual muito superior aos
dos demais bens e serviços de consumo típico. Lembro que as despesas com
transporte, alimentação, vestuário e educação estão entre as principais
da família brasileira no que concerne ao impacto sobre a renda mensal.
Pois dizia o vereador Clécio, em 2012, em release distribuído por sua assessoria de comunicação – veja inteiro teor em http://migre.me/rMDoG – …“Somos
contra a qualquer tipo de reajuste de tarifa de ônibus ou da
permanência dessa tarifa, enquanto não houver licitação de um novo
sistema de transporte coletivo público em Macapá. Já foi provado pela
CPI do Transporte Coletivo que qualquer aumento superior a R$ 1,90 é uma
fraude, já que existem provas de adulteração de chassis, em que ônibus
parecem ter uma idade e na verdade têm outra”.
Ao assumir no primeiro dia de 2013, Clécio sabia que o principal
problema do sistema de transporte coletivo da cidade é o oligopólio
existente, onde as mesmas empresas mantêm indefinidamente o controle do
serviço, e que a solução saneadora seria promover licitação pública com
conceitos modernos e tarifas transparentes, como bem preceitua a Lei
Federal 12.587/2012, que institui as Diretrizes da Política Nacional de
Mobilidade Urbana, dentre as quais destacam-se as seguintes, da Política
Tarifária: – melhoria da eficiência e da eficácia na prestação dos
serviços; – simplicidade na compreensão, transparência da estrutura
tarifária para o usuário e publicidade do processo de revisão; –
modicidade da tarifa para o usuário.
Mas, com o recente acordo com o SETAP – que teve como efeito imediato
o salto tarifário – supõe-se que a intenção oficial já não é a de
extinguir as concessões/permissões existentes para a exploração do
serviço, tidas como ilegais pela falta de licitações que lhes tenham
dado causa. Ao contrário, usou-se a receita do mais-do-mesmo-diferente,
onde a pílula é dourada com promessas de reformas em terminais, mais
abrigos, ônibus novos, para torná-la minimamente palatável pela
população usuária como se, ao menos, a renovação de frota já não
estivesse embutida no valor da tarifa desde que o diabo era criança.
Quanto ao patamar da tarifa atual, um recall é necessário. Em julho
de 2013, a prefeitura determinou que a tarifa então vigente recuaria R$
0,20, sendo fixada em R$ 2,10. Tal recuo não foi fruto de convicções
socialistas, reorganização do sistema ou aumento de eficiência
operacional, mas uma consequência de medidas fiscais e outras, que
permitiram a redução da carga tributária sobre as empresas do setor, a
desoneração da tarifa e o ganho popular: – a redução do ISS de 5% para
3%; – a redução em 50% na taxa de gerenciamento da CTMac; – a redução
para 10% na alíquota do ICMS sobre aquisição de combustíveis; – a
desoneração total de PIS/CONFIS, pelo Governo Federal.
Àquela ocasião, 2013, prefeitura e empresários estavam pactuados e
satisfeitos com os R$ 2,10 da tarifa. A população, idem, pois viu o
preço regredir.
Passados 2 anos e 3 meses da desoneração tarifária, eis que Clécio
resolve aceitar um acordo que onera em 30,95% o preço da passagem. No
igual período, julho/2013 a setembro/2015, a inflação acumulada medida
pelo INPC – índice que permite aferir a inflação para as famílias com
rendimentos mensais entre 1 e 5 salários mínimos – foi de 17,5%, muito
longe do percentual agora acordado entre a PMM e o SETAP. Comparando-se o
reajuste de 30,95% da tarifa com IGP-M da Fundação Getúlio Vargas, que
bateu em 14,34% para o mesmo período, a distância é ainda maior.
A conclusão óbvia é que o aumento concedido empobreceu a população
mais frágil economicamente, a que depende do transporte público no dia a
dia. Ora, se havia um debate judicial sobre a tarifa, cabia resistir e,
em último caso, ofertar a solução menos pior, a aplicação do índice
inflacionário do período – que, aliás, é aceito e adotado para quase
tudo – como forma de defender minimamente a economia popular.
Milhares das pessoas prejudicadas ajudaram a eleger o Clécio, aquele
vereador que defendia mudanças profundas no sistema de transporte, e
houve certa desconfiança popular com a aparente capitulação ao
compromisso, sentimento adensado pela divulgação apressada de que o
aumento teria sido fruto de decisão judicial, quando o que houve foi um
acordo entre as partes e homologado pela Justiça, que apenas acatou as
vontades.
O que é isso, companheiro? A posição foi duvidosa! A decisão, equivocada!
Mas ainda é tempo de fazer as mudanças tanto anunciadas. Se o mandato
foi construído conquistando corações e mentes, pela esperança, precisa
ser exercido com equidade para promover justiça social e não para
esgarçar o bolso do povo.
(*) Ruy Smith é engenheiro e servidor público efetivo. Entre os
vários cargos que ocupou, foi diretor do Detrap, da Setrap, da Caesa,
além de deputado estadual por dois mandatos
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