terça-feira, 20 de outubro de 2015

Em artigo, ex-deputado Ruy Smith critica prefeito Clécio por aumento da tarifa

ARTIGO / O que é isso, companheiro?

Falo da manjada cantilena do transporte público coletivo urbano de Macapá, de que a razão para o aumento da tarifa é devido ao aumento de custos de insumos do serviço, etc. e tal.

De um lado, os empresários do setor, choramingando eternos desalentos relativos ao aumento dos preços de combustíveis, pneus, reajuste de salários e, mais recentemente, os custos crescentes de manutenção por trafegarem em péssimas ruas e avenidas de Macapá.

Do mesmo lado, o nosso prefeito – outrora vereador combatente do modelo do sistema de transporte coletivo que ainda hoje vigora – a conceder um reajuste de nada menos que 30,95% sobre a tarifa, aumentando R$ 0,65 em cada passagem de ônibus, um salto de R$ 2,10 para R$ 2,75 desde o último dia 5 de setembro.

Assistindo ao desenrolar da novela, o usuário sente o preço da passagem onerar o orçamento familiar em percentual muito superior aos dos demais bens e serviços de consumo típico. Lembro que as despesas com transporte, alimentação, vestuário e educação estão entre as principais da família brasileira no que concerne ao impacto sobre a renda mensal.

Pois dizia o vereador Clécio, em 2012, em release distribuído por sua assessoria de comunicação – veja inteiro teor em http://migre.me/rMDoG – …“Somos contra a qualquer tipo de reajuste de tarifa de ônibus ou da permanência dessa tarifa, enquanto não houver licitação de um novo sistema de transporte coletivo público em Macapá. Já foi provado pela CPI do Transporte Coletivo que qualquer aumento superior a R$ 1,90 é uma fraude, já que existem provas de adulteração de chassis, em que ônibus parecem ter uma idade e na verdade têm outra”.

Ao assumir no primeiro dia de 2013, Clécio sabia que o principal problema do sistema de transporte coletivo da cidade é o oligopólio existente, onde as mesmas empresas mantêm indefinidamente o controle do serviço, e que a solução saneadora seria promover licitação pública com conceitos modernos e tarifas transparentes, como bem preceitua a Lei Federal 12.587/2012, que institui as Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, dentre as quais destacam-se as seguintes, da Política Tarifária: – melhoria da eficiência e da eficácia na prestação dos serviços; – simplicidade na compreensão, transparência da estrutura tarifária para o usuário e publicidade do processo de revisão; – modicidade da tarifa para o usuário.

Mas, com o recente acordo com o SETAP – que teve como efeito imediato o salto tarifário – supõe-se que a intenção oficial já não é a de extinguir as concessões/permissões existentes para a exploração do serviço, tidas como ilegais pela falta de licitações que lhes tenham dado causa. Ao contrário, usou-se a receita do mais-do-mesmo-diferente, onde a pílula é dourada com promessas de reformas em terminais, mais abrigos, ônibus novos, para torná-la minimamente palatável pela população usuária como se, ao menos, a renovação de frota já não estivesse embutida no valor da tarifa desde que o diabo era criança.

Quanto ao patamar da tarifa atual, um recall é necessário. Em julho de 2013, a prefeitura determinou que a tarifa então vigente recuaria R$ 0,20, sendo fixada em R$ 2,10. Tal recuo não foi fruto de convicções socialistas, reorganização do sistema ou aumento de eficiência operacional, mas uma consequência de medidas fiscais e outras, que permitiram a redução da carga tributária sobre as empresas do setor, a desoneração da tarifa e o ganho popular: – a redução do ISS de 5% para 3%; – a redução em 50% na taxa de gerenciamento da CTMac; – a redução para 10% na alíquota do ICMS sobre aquisição de combustíveis; – a desoneração total de PIS/CONFIS, pelo Governo Federal.

Àquela ocasião, 2013, prefeitura e empresários estavam pactuados e satisfeitos com os R$ 2,10 da tarifa. A população, idem, pois viu o preço regredir.

Passados 2 anos e 3 meses da desoneração tarifária, eis que Clécio resolve aceitar um acordo que onera em 30,95% o preço da passagem. No igual período, julho/2013 a setembro/2015, a inflação acumulada medida pelo INPC – índice que permite aferir a inflação para as famílias com rendimentos mensais entre 1 e 5 salários mínimos – foi de 17,5%, muito longe do percentual agora acordado entre a PMM e o SETAP. Comparando-se o reajuste de 30,95% da tarifa com IGP-M da Fundação Getúlio Vargas, que bateu em 14,34% para o mesmo período, a distância é ainda maior.

A conclusão óbvia é que o aumento concedido empobreceu a população mais frágil economicamente, a que depende do transporte público no dia a dia. Ora, se havia um debate judicial sobre a tarifa, cabia resistir e, em último caso, ofertar a solução menos pior, a aplicação do índice inflacionário do período – que, aliás, é aceito e adotado para quase tudo – como forma de defender minimamente a economia popular.

Milhares das pessoas prejudicadas ajudaram a eleger o Clécio, aquele vereador que defendia mudanças profundas no sistema de transporte, e houve certa desconfiança popular com a aparente capitulação ao compromisso, sentimento adensado pela divulgação apressada de que o aumento teria sido fruto de decisão judicial, quando o que houve foi um acordo entre as partes e homologado pela Justiça, que apenas acatou as vontades.

O que é isso, companheiro? A posição foi duvidosa! A decisão, equivocada!

Mas ainda é tempo de fazer as mudanças tanto anunciadas. Se o mandato foi construído conquistando corações e mentes, pela esperança, precisa ser exercido com equidade para promover justiça social e não para esgarçar o bolso do povo.

(*) Ruy Smith é engenheiro e servidor público efetivo. Entre os vários cargos que ocupou, foi diretor do Detrap, da Setrap, da Caesa, além de deputado estadual por dois mandatos

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