“Neodesenvolvimentismo se esgotou”
06/07/2015
Liderança do MST, maior movimento popular do campo no Brasil, João
Pedro Stedile vê um cenário difícil e complexo para a classe
trabalhadora, “um período de confusões que não se resolverá a curto
prazo”.
Para ele, as dificuldades de cenário fazem com que, “de um lado, o
povo vê todos os dias a burguesia tomando iniciativas contra ele, e um
governo inerte e incapaz. E de nossa parte, não conseguimos chegar até a
“massona” com nossas propostas, até porque a mídia é controlada pela
burguesia”.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Stedile apontou como enxerga as
movimentações do governo, das elites e dos setores populares. Criticou o
ajuste fiscal que o segundo mandato de Dilma vem implementando e
reconheceu a necessidade e os desafios em se elaborar uma proposta
política alternativa unitária ao que está posto: “se o governo não mudar
de rumo, ele continuará se afundando ainda mais na impopularidade e na
incapacidade de sair da crise”.
Confira a entrevista abaixo:
Brasil de Fato – Como você está vendo o cenário político brasileiro?
João Pedro Stedile – O Brasil está passando por um período histórico
muito difícil e complexo. O que temos debatido nas plenárias dos
movimentos populares é que estamos passando por três graves crises.
Uma é a crise econômica, com a economia paralisada, a falta de
crescimento da indústria e sinais de desemprego e queda da renda da
classe trabalhadora.
Outra é a crise social, cujos problemas, sobretudo nas grandes
cidades, como a falta de moradia, de transporte público, aumento da
violência contra a juventude nas periferias e de milhões de jovens que
não estão conseguindo entrar na universidade apenas aumentam. Os 8
milhões de jovens que se inscreveram no ENEM, por exemplo, disputaram
1,6 milhões de vagas. E os que não entraram, para onde vão?
A última é a grave crise política e institucional, em que a população
não reconhece a legitimidade e a liderança nos políticos eleitos. Isso
se deve ao sistema eleitoral, que permite que as empresas financiem seus
candidatos. Para se ter uma ideia, apenas as dez maiores empresas
elegeram 70% do parlamento. Ou seja, a democracia representativa foi
sequestrada pelo capital, e isso gerou uma hipocrisia dos eleitos e uma
distorção política insuperável.
Isso se reflete nas pautas que o parlamento adota e nas ideias que
eles defendem, que não tem nada a ver com seus eleitores. Vejam só um
caso: na sociedade brasileira temos 51% de mulheres. Foi apresentado um
projeto para garantir 30% de representação feminina, mas eles
bloquearam. E, com isso, vamos manter apenas as atuais 9%!
Como você avalia as propostas que predominam no debate público para superar esse cenário?
As classes dominantes, aqueles que detêm o poder econômico na nossa
sociedade, são muito espertas. Não à toa que eles governam há 500 anos.
Eles perceberam a gravidade da crise, e por isso abandonaram o pacto de
alianças de classe com os trabalhadores, representado pela eleição de
Lula e Dilma, que resultou no programa neodesenvolvimentista.
O neodesenvolvimentismo, enquanto programa de governo, se esgotou. Os
setores da burguesia que faziam parte e se beneficiavam deste programa
caíram fora, e agora apostam num outro programa.
O programa deste setor para sair da crise é basicamente a defesa do
Estado mínimo, utilizando-se de máscaras como a diminuição de
ministérios, menos ingerência do estado na economia, na retirada de
direitos trabalhistas – com o objetivo de que o custo da mão de obra
diminua e se retome as altas taxas de lucro, podendo competir melhor no
mercado mundial com seus concorrentes.
O terceiro elemento é o realinhamento da economia e da política
externa aos Estados Unidos. Por isso criticam as políticas dos Brics, da
Unasul, do Mercosul e defendem abertamente a volta da Alca.
Esse é o programa da classe dominante para sair da crise. Não é outra
coisa que a volta do neoliberalismo. E para alcançar estes objetivos
acionam seus operadores políticos nos espaços em que detém hegemonia
completa, como é o caso do Congresso Nacional, do Poder Judiciário e da
mídia burguesa.
Estes três poderes estão atuando permanentemente e de forma
articulada entre si para que este programa seja implementado. E o
partido ideológico que está costurando essa unidade entre os três
espaços é a Rede Globo.
O governo tem tomado diversas iniciativas de política
econômica, medidas provisórias e ajuste fiscal. Como os movimentos estão
vendo estas iniciativas?
Para nós, o governo Dilma não entendeu a natureza da crise instalada,
nem o que está acontecendo na sociedade brasileira. Tampouco a disputa
ideológica que foi travada no segundo turno das eleições, uma tremenda
luta de classes.
O governo errou ao montar um ministério muito dependente de partidos
conservadores, que inclusive votam contra o governo no parlamento. Chega
a ser esquizofrênico. Talvez seja o pior ministério desde a nova
república, e está resumindo a crise a um problema de déficit no
orçamento.
Ora, o déficit no orçamento é apenas consequência da crise, e não
adianta tomar medidas paliativas. Como explicou bem o professor
Belluzzo, “o motor da economia pifou, e o governo está preocupado com a
lataria do carro”.
Por incrível que pareça, todas as MPs e as iniciativas que o governo
tomou não só não resolvem as crises citadas, como tendem a agravá-las,
porque ficam na aparência dos problemas e não vão às causas.
Pior, muitas das medidas, em especial as da economia, vão na direção
do programa da burguesia, ou seja, retiraram direitos dos trabalhadores.
Aumentar a taxa de juros é tudo que o setor hegemônico dos capitalistas
querem: ganhar dinheiro com o rentismo e com a especulação.
Se o governo não mudar de rumo, não mudar sua política econômica e
não tomar iniciativas que coloquem o debate na sociedade, da necessidade
de uma reforma política profunda, ele continuará se afundando ainda
mais na impopularidade e na incapacidade de sair da crise.
Nessa conjuntura complexa, há possibilidade de golpe?
As classes dominantes, os capitalistas, os empresários e a direita,
enquanto campo ideológico, são muito diversos numa sociedade tão
complexa como a nossa. Por mais que a Globo se esforce para dar unidade a
eles, não conseguem ter consenso na forma de ver os problemas e nas
propostas para a saída da crise.
É certo que tem setores mais radicais da direita que querem o golpe, o
impeachment, até pelo parlamento. Mas acredito que uma confusão
institucional não interessa aos setores empresarias.
O que eles querem é que o governo assuma o programa deles. Só isso.
Por outro lado, os mesmos motivos para ter processos de impeachment para
Dilma poderiam ser aplicados aos governadores Geraldo Alckmin (PSDB),
Beto Richa (PSBD), etc, o que criaria uma confusão generalizada.
Infelizmente acho que o governo caiu nessa armadilha. E mesmo
assumindo o programa da classe dominante, as três crises não se
resolvem. Por isso estamos num período de confusões que não se resolverá
a curto prazo.
E qual a proposta dos movimentos populares diante dessa situação?
De parte dos movimentos populares a situação também é complexa. Os
movimentos e as forças populares, que englobam todas as formas
organizativas, como partidos, sindicatos, movimentos sociais, pastorais,
etc, não tem tido capacidade de organizar uma plataforma comum, um
programa unitário de saída da crise.
Temos ideias gerais, em teoria, como, por exemplo, o entendimento de
que apenas sairemos da crise econômica se o governo abandonasse o
superávit primário e, ao invés de pagar R$ 280 bilhões de juros por ano,
investisse esses recursos públicos na indústria para gerar emprego, em
obras públicas de transporte, moradia e na educação.
Já na crise política, só iremos superá-la se tivermos uma reforma
política profunda. São ideias gerais, em torno de reformas estruturais
necessárias. Porém, é preciso construir um programa que unifique todos
os setores sociais e dê unidade às ações de mobilizações de massa.
Por ora, apenas os setores organizados da classe trabalhadora estão
se mobilizando. A “massona” do povo está quieta, assistindo assustada
pela televisão as notícias da crise e da falta de alternativas.
De um lado, o povo vê todos os dias a burguesia tomando iniciativas
contra ele, e um governo inerte e incapaz. E de nossa parte, não
conseguimos chegar até a “massona” com nossas propostas, até porque a
mídia é controlada pela burguesia.
Como você está vendo o processo da operação Lava-Jato e as denúncias de corrupção que envolvem as empresas e a Petrobras?
Há muitos aspectos que envolvem esse tema. Claro que há pessoas e
empresários que se apropriaram pessoalmente desses recursos e até
enviaram recursos para o exterior, e portanto são corruptos.
Mas a corrupção na sociedade brasileira é muito mais ampla. Está
presente na gestão de recursos públicos, que envolvem políticos de todos
os partidos e outros setores sociais.
Quando um professor da USP com dedicação exclusiva abre um escritório
de consultoria, ou um segundo emprego, ele também está sendo corrupto.
Mas tudo isso apenas resolveremos com processos de participação popular
na gestão dos recursos públicos e métodos permanentes de fiscalização
por parte da sociedade.
Mas o caso mais patético da Lava-jato é que ficam culpando este ou
aquele. O problema de fundo é o método das eleições. Enquanto houver
financiamento das empresas nas campanhas eleitorais haverá Lava-jato.
A solução real não é apenas querer prender fulano ou beltrano, é
mudar o sistema. Precisamos de uma reforma política profunda. O
Congresso já deu várias provas, inclusive nas últimas semanas, que não
quer mudar nada. A única saída seria convocarmos uma assembleia
constituinte exclusiva, que faça a reforma do sistema político
brasileiro.
Claro que a realização de um plebiscito popular, que legalize a
convocação da assembleia, somente virá se as massas forem às ruas e
lutarem pela assembleia constituinte. Ou seja, vai depender de uma nova
correlação de forças. Mas essa é a única saída política para combater a
corrupção.
Também é importante ressaltar que todas as entidades de advogados ,
juízes e juristas tem denunciado os abusos de poder do Juiz Sérgio Moro,
extrapolando suas funções e se utilizando, em conluio com os meios de
comunicação, do vazamento de informações, das delações premiadas e
prisões com claro viés partidário.
Não se vê a mesma divulgação, empenho e nenhuma prisão nos casos
semelhantes de corrupção dos trens de São Paulo, por exemplo, ou no caso
do chamado mensalação mineiro, ou mesmo das falcatruas praticadas pelo
governo Aécio/Anastasia nas empresas estatais de Furnas e Cemig, em
Minas Gerais.
O juiz Moro tem se prestado a alimentar um ódio da classe média
contra os petistas, como se todos estivessem envolvidos com corrupção,
todos fossem culpados, quando o verdadeiro culpado é o sistema
eleitoral, que eles não querem mudar.
E como você avalia o projeto do senador Serra (PSDB), que retira a Petrobras do pré-sal?
O projeto do Serra, em debate no Senado, é a prova mais cabal de como
os parlamentares da direita aplicam o programa da burguesia no
Congresso Nacional para sair da crise.
O projeto retira da Petrobras a prioridade da exploração do pré-sal. É
tudo o que as empresas transnacionais precisam, já que não será mais
necessário gastar com pesquisa, já que se sabe onde está o petróleo. Não
há nenhum risco, basta ir lá e buscá-lo.
Num país continental como o nosso, o Estado brasileiro não tem
nenhuma condição de fiscalizar o que essas empresas fariam em alto-mar,
nem para onde e quanto petróleo levariam.
Se a Petrobras está passando por dificuldades financeiras e não pode operar todos os poços, é preferível que se vá mais devagar com a exploração das reservas, garantindo que o povo brasileiro tenha controle sobre elas.
E claro, é preciso que os trabalhadores da Petrobras tenham maior
participação na gestão da empresa, senão acontece com o que passou o
minério de ferro, quando Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do
Rio Doce e entregou de graça aos capitalistas estadunidenses.
Hoje, são exportados bilhões de toneladas de ferro por ano, e o povo
brasileiro não tem nenhum benefício com essa riqueza natural, embora
pela constituição ela deveria ser utilizada em beneficio do bem estar de
todo população.
Espero que o Senado tenha juízo em barrar esse projeto, ou mesmo que a
presidenta vete depois, e que os petroleiros se mantenham a mobilização
e a luta em defesa da Petrobras.
Quais as iniciativas que os movimentos populares estão tomando para se posicionar nessa conjuntura?
Estamos fazendo todos os esforços para construir plenárias unitárias
entre todas as frentes de massa, sobretudo nos estados, e estimular os
setores organizados a lutarem. Em alguns estados essa unidade é mais
notória, como aconteceu na luta dos professores no Paraná e em Minas
Gerais.
Em nível nacional, as centrais sindicais, em especial a CUT (Central
Única dos Trabalhadores), tem feito um esforço de coordenar as
iniciativas de mobilização da classe trabalhadora em defesa de seus
direitos.
E há uma disposição, caso avance o projeto de terceirização, de
realizarmos uma greve geral em todos os setores da economia, para brecar
essa medida que faz parte do projeto da burguesia.
Acho que já há uma unidade muito grande e disposição de luta em
defesa dos direitos dos trabalhadores, mas ainda não avançamos para
construir um programa alternativo para a classe.
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